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Usufruto: saiba tudo sobre esse direito real personalíssimo

No ordenamento jurídico brasileiro existe uma gama de direitos que se denominam de Direito das Coisas. Esses direitos são previstos no livro III do Código Civil. E entre eles, estão dos direitos reais e o instituto do usufruto.

Esse ramo do Direito Civil que regulamenta a relação do ser humano com os bens materiais, por sua vez, engloba os chamados direitos reais.

Para o doutrinado Clóvis Beviláqua, o direito das coisas pode ser caracterizado, desse modo, como:

o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é possível exercer o poder de domínio.

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O que são os direitos reais

O direitos reais são a faculdade que o seu titular possui de exercê-los contra todos e não somente em relação àquele que faz parte de uma determinada relação contratual. Esse tipo de eficácia chama-se, em latim, de erga omnes.

No art. 1.225 do Código Civil, elencam-se, dessa maneira, os direitos reais em um rol taxativo. Na prática, significa, portanto, dizer que nenhum outro direito real pode ser criado senão por meio de lei. Veja-se, então:

Art. 1.225. São direitos reais:

1. a propriedade;

2. a superfície;

3. as servidões;

4. o usufruto;

5. o uso;

6. a habitação;

7. o direito do promitente comprador do imóvel;

8. o penhor;

9. a hipoteca;

10. a anticrese;

11. a concessão de uso especial para fins de moradia; 

12. a concessão de direito real de uso; e 

13. a laje.

Apesar do moderno direito de laje, por exemplo, ter sido incluído pela recente Lei nº 13.465/2017, outros direitos reais são velhos conhecidos. É o caso, por exemplo, do próprio usufruto, que é o assunto deste artigo, haja vista sua popularidade, principalmente nas relações familiares entre ascendente e descendente.

O que é o usufruto

O usufruto, propriamente dito, está disciplinado, dessa maneira, entre os artigos 1.390 e 1.411 também do Código Civil.

Citando novamente o doutrinador Clóvis Beviláqua, tem-se, assim, o conceito desse direito real desenhado da seguinte forma:

O usufruto é o direito real, conferido a alguma pessoa, durante um tempo que autoriza a retirar, de coisa alheia, frutos e utilidades que ele produza” (direito das coisas, v.1p.309), ou seja, ele se apresenta como uma forma que o terceiro utiliza a propriedade. Nessa relação, existe o usufrutuário que tem os atributos de utilizar, usar, gozar e fruir a coisas, E do outro lado, existe o nu-proprietário, que detém as particularidades de reivindicar e alienar a coisa.   

Nesse caminho, esclarece-se que o usufruto pode ser constituído por um ato de vontade das partes, seja oneroso ou gratuito, em virtude de uma doação ou testamento, por exemplo. Além disso, pode restar estabelecido em lei para beneficiar determinadas pessoas, sendo que, com exceção das ocasiões que resultar de usucapião, ele se constitui por meio de registro na serventia de registro de imóveis.

Como dito a cima, no usufruto, a propriedade de um determinado imóvel acaba se desdobrando, portanto, entre dois personagens que passam a ter relação com o bem, quais sejam, o nu-proprietário e o usufrutuário.

Nesse aspecto, importante destacar que o nu-proprietário fica com a posse indireta, enquanto o usufrutuário possui a posse direta, nos termos do artigo 1.394 do Código Civil.

Salienta-se que o usufrutuário pode exercer esse direito pessoalmente ou mediante arrendamento, o prédio, mas não pode mudar-lhe a destinação econômica, sem a expressa autorização do nu-proprietário.

Hipóteses de extinção do usufruto

As possibilidades de extinção do usufruto encontram-se disciplinadas no artigo 1.410 do Código Civil. São elas, desse modo:

I. pela renúncia ou morte do usufrutuário;

II. pelo termo de sua duração;

III. pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

IV. pela cessação do motivo de que se origina;

V. pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;

VI. pela consolidação;

VII. por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;

VIII. Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).

Direito personalíssimo de usufruto

Outra característica desse direito real, é a de que ele se configura como um direito personalíssimo, ou seja, apesar da legislação permitir que existam dois usufrutos simultaneamente, não haverá transmissão desse direito com o evento morte, ao passo que, caso haja dois ou mais usufrutuários ao mesmo tempo, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente.  

Sobre o assunto, colhe-se da recente jurisprudência:

APELAÇÃO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO.

Ex-companheira que pretende manter-se na posse do imóvel onde residia com seu falecido companheiro. Falecido que não era proprietário do imóvel, mas apenas usufrutuário. Usufruto vitalício que não se estende a outrem, sendo seu pressuposto primeiro a extinção na ocasião do óbito do credor, restabelecendo-se a propriedade plena ao titular do domínio. Transferência do imóvel pelo falecido, aos filhos, anteriormente ao início da união estável com a autora. Direito real de habitação que pressupõe que o imóvel pertence ao cônjuge falecido, o que não é o caso dos autos. Sentença que rejeitou a pretensão da autora que deve ser mantida.

RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP – AC: 10005763220188260038. Relator: Ana Maria Baldy. Data de Julgamento: 04/10/2013. 6ª Câmara de Direito Privado. Data de Publicação: 27/03/2019). (grifou-se)

Despesas do usufrutuário

Nesse sentido, torna-se interessante destacar ainda que, o usufrutuário não é obrigado a fazer o pagamento das deteriorações que resultarem do uso regular do usufruto.

As despesas ordinárias para conservação dos bens no estado recebido, bem como as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída, contudo, são de responsabilidade do usufrutuário.

Por outro lado, ficam a cargo do nu-proprietário as reparações extraordinárias e as que não forem de custo módico. O usufrutuário lhe pagará os juros do capital despendido com as que forem necessárias à conservação, ou aumentarem o rendimento do bem usufruído.

Quanto ao valor das despesas, para fins da lei, não se consideram, então, módicas as despesas superiores a dois terços do líquido rendimento em um ano.

Ainda sobre as despesas referentes ao imóvel usufruído, esclarece-se que se o dono não fizer as reparações a que está obrigado, e que são indispensáveis à conservação da coisa, o usufrutuário pode realizá-las, cobrando daquele o valor que foi gasto com esse objetivo.

O imóvel gravado com o direito real de usufruto pode ser alienado?

Tendo em vista o desdobramento da propriedade do imóvel gravado com o direito real de usufruto entre o nu-proprietário e o usufrutuário, um questionamento lógico aparece ao pensar na possibilidade ou não de se promover a venda desse bem.

Nesse sentido, o entendimento da jurisprudência é de que o nu-proprietário, por ser detentor do direito de disposição da propriedade, pode efetivar a alienação da nua-propriedade, sem que seja obrigatória a anuência do usufrutuário. Deve-se resguardar, contudo, os direitos deste último.

O mesmo raciocínio é aplicável à penhora judicial da nua-propriedade, veja-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO ILÍCITO. PENHORA DE BEM GRAVADO EM USUFRUTO VITALÍCIO. INSURGÊNCIA DO EXECUTADO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO DE IMÓVEL GRAVADO COM ÔNUS REAL. INSUBSISTÊNCIA. PENHORA SOBRE DIREITOS DO NU-PROPRIETÁRIO, O QUE NÃO AFETA GARANTIA REAL DO USUFRUTUÁRIO VITALÍCIO. TESE DE CARACTERIZAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE NÃO VERIFICADA. TERRENO SEM BENFEITORIAS SEM QUALQUER INDÍCIO DE QUE A FAMÍLIA TENHA INTENÇÃO DE HABITÁ-LO NO FUTURO. INTENÇÃO DE VENDA DO IMÓVEL. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

É possível a constrição de imóvel do devedor, gravado pela cláusula de usufruto, pois é de sabença que a penhora recairá sobre a nu propriedade, sem comprometer o instituto do usufruto.

(TJ-SC – AI: 40065561420178240000. Relator: Sebastião César Evangelista. Data de Julgamento: 30/11/2017. Segunda Câmara de Direito Civil).

Transferência do direito real

Cabe pontuar ainda que, o direito de usufruto não pode ser transferido por alienação, o que também impossibilita que tal direito seja objeto de penhora. Entretanto, tendo em vista que se pode ceder o seu exercício, existe a possibilidade de que o usufruto seja penhorado em casos nos quais o bem usufruído possua expressão econômica, o que impossibilitará a sua fruição pelo usufrutuário até que seja pago o débito executado.

Sendo assim, após essa explanação, conclui-se que, apesar de ser um termo bastante disseminado na sociedade, o direito real de usufruto possui uma série de aspectos que precisam ser observados, para que, de fato, se alcance o objetivo final de bipartição da propriedade de um determinado bem.

Até a próxima.