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Controle de jornada de trabalho do motorista profissional

Historicamente, o controle da jornada de trabalho como forma de assegurar a preservação da saúde e dignidade do trabalhador sempre foi propósito central das lutas sindicais. Por esta razão, consiste em um dos primeiros direitos trabalhistas de cunho marcadamente protecionista alcançados tão logo após o início da sociedade industrial.

Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988, visando endossar tal direito, o incluiu no rol de direitos e garantias individuais de natureza trabalhista, conforme previsão contida no artigo 7º, inciso XIII, que, por sua vez, constitui cláusula pétrea e, por consequência, não pode ser modificado por emenda constitucional em prejuízo dos trabalhadores(artigo 60, § 4º, IV, CF/88).

Já na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a previsão legal acerca da limitação da jornada de trabalho encontra respaldo no artigo 58. Assim, em consonância com a previsão constitucional, estipula a duração normal de trabalho como aquela que não excede oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais.

Nesse sentido, para aferição da jornada de trabalho, o controle convencional do tempo de trabalho prestado é geralmente feito através do ponto. Isso porque, de acordo com o artigo 74, parágrafo 2º, da CLT, é obrigatório o registro da jornada para os estabelecimentos que contenham mais de dez trabalhadores.

Como funciona a jornada de trabalho no caso dos motoristas profissionais?

Em que pese o cuidado do legislador brasileiro com a limitação e o controle da jornada de trabalho de modo a evitar excessos por vezes praticados pelos empregadores, os motoristas profissionais, até o advento da Lei nº 12.619/2012, que incluiu a Seção IV-A, na CLT, não estavam sujeitos a limite de jornada, portanto, a controle de horário, já que careciam de legislação específica para regulamentar o trabalho.

No caso, dentre as inovações trazidas pela Lei nº 12.619/2012, que regulou o exercício da profissão de motorista, para além do direito ao controle de jornada, previsto no artigo 2º, inciso V, da referida lei, encontrava-se a limitação de prorrogação da jornada normal de oito horas por até duas horas extras por dia, além de intervalo de uma hora para refeição, intervalo interjornada de onze horas e ainda, paradas para descanso de pelo menos trinta minutos, a cada quatro horas de direção contínua.

Notoriamente, as condições de trabalho a que eram submetidos os trabalhadores desta classe antes da entrada em vigor da Lei nº 12.619/2012 eram precárias. Isso porque, as jornadas de trabalho, principalmente dos motoristas transportadores de cargas, chegavam a alcançar 16 (dezesseis) horas diárias. Dessa forma, os problemas decorrentes desta prática variavam desde alto índice de acidentes rodoviários envolvendo motoristas, até o alto nível de consumo de substâncias entorpecentes por parte destes trabalhadores, uma vez que a eles não era assegurado o direito a uma jornada de trabalho razoável.

À vista disso, tem-se que o surgimento da Lei nº 12.619/2012. Esta, representou um marco importante para a classe de motoristas profissionais de todo o país. Afinal, mediante a regulamentação do exercício da profissão de motorista, foi possível viabilizar mais saúde e segurança a estes trabalhadores, ao menos na teoria.

Implicações econômicas da Lei nº12.619/2012 para as empresas de transporte e logística?

Não obstante, apesar da significativa regulamentação, evidente que com o advento da referida lei, diversas foram as implicações econômicas trazidas às empresas atuantes no ramo de transporte e logística. Afinal, com a obrigatoriedade de registro e controle de jornada de trabalho, elas tiveram que, automaticamente, assumir os custos dessa inovação. A título de exemplo, já no primeiro momento precisaram investir em meios que possibilitassem o controle fidedigno do trabalho externo, sob pena de terem que arcar com as expensas de vultuosas horas extraordinárias.

Todavia, apesar da aparente vitória para a classe de trabalhadores, fato é que o protecionismo marcadona legislação de 2012 não agradou a todos. Assim, ocorreu a edição da Lei nº 13.103/2015, promulgada após a greve dos caminhoneiros de 2015, que reivindicavam, à época, melhores condições de trabalho e mais liberdade no exercício da profissão, inclusive no que condizia à duração da jornada.

Quais foram as mudanças trazidas pela Lei nº 13.103/2015?

Desse modo, dentre as consideráveis mudanças trazidas com o advento da Lei nº 13.103/2015 (Lei do Motorista), a relativa à jornada de trabalho talvez seja a mais relevante. Isso porque, diferentemente do que previa a Lei nº 12.619/2012, os motoristas passaram a poder realizar até quatro horas extraordinárias por dia. No entanto, estas deviam ter previsão expressa em acordo ou convenção coletiva, conforme artigo 235-C, da CLT.

De todo modo, apesar da previsão legal acerca do controle de jornada de trabalho ser realidade no segmento de transporte e logística desde 2012, fato é que, ainda hoje, nove anos após, as empresas aparentam efetuar verdadeiros malabarismos no que concerne ao controle fidedigno da jornada na prática, posto que não se trata de tarefa fácil.

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Como será feito o controle de jornada de trabalho com as mudanças na Lei nº 13.103/2015?

De acordo com o artigo 2º, inciso V, alínea b, da Lei nº 13.103/2015, o controle de jornada poderá ser feito através de“anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, ou sistema e meios eletrônicos instalados nos veículos, a critério do empregador”.

Quanto ao controle feito por diários de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, a fiscalização deve estar centrada na anotação efetuada pelo motorista. Uma vez que, por se tratarem de documentos preenchidos e assinados manualmente pelo próprio empregado, há chances de não haver o registro fidedigno da jornada com seus respectivos intervalos. Essa prática pode resultar em maiores custos com o pagamento de horas extras.

Já no que concerne aos sistemas e meios eletrônicos, é certo dizer que, apesar da resistência de alguns Tribunais, o avanço da tecnologia possibilitou às empresas certo conforto com relação ao controle de jornada do motorista empregado. Porquanto o rastreamento via satélite, ao captar sinais de GPS, permite o registro da localização exata do veículo e a velocidade em que trafega.

Nesse sentido é o entendimento da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que ao julgar o Recurso de Revista nº 10890-59.2016.5.18.00181, reconheceu a validade dos relatórios obtidos por sistema de rastreamento via satélite como viáveis para o efetivo controle de jornada de empregado motorista.

O que acontece se uma empresa não realizar o controle de jornada de trabalho?

Ademais, apesar de o trabalho extraordinário ser fato constitutivo do direito do empregado, na forma dos artigos 818, da CLT, e 373, I, do Código de Processo Civil (CPC), na hipótese de não ser observado o artigo 74, § 2º, da CLT, caberá ao empregador demonstrar a jornada efetivamente cumprida. É fato que, no caso de não apresentação injustificada dos controles de frequência poderá haver a presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada pelo empregado, nos termos da Súmula nº 338, I, do TST.

À vista disso, apesar de o ônus probatório ser inicialmente do trabalhador, diante da relevância do controle da jornada de trabalho do motorista profissional, para a saúde financeira das empresas, é importante que os empregadores se mantenham vigilantes no sentido de fiscalizar a fiel anotação da jornada desempenhada pelo profissional, pois o contrário disso, certamente, acarretará condenação.

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Escrito por:

Andressa Cardoso, advogada e membro do núcleo de Direito do Trabalho do IEAD.