A Lei 9613/98 é o principal instrumento de combate à ocultação de capitais no país. Conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro (ou Lei de Lavagem de Capitais), ela sofreu alterações em 2012, com a aprovação Lei 12.683/12. Veja os principais pontos do texto legal vigente e saiba como o jurídico pode prevenir episódios de lavagem nas companhias.
Um relatório global de 2022 mostrou que o Brasil é líder no mundo quando o assunto é lavagem de dinheiro. 23% das companhias no país foram afetadas significativamente por esse crime, enquanto a média global é de 16%.
Nesse cenário – e com o crescimento da preocupação com compliance – a lavagem de dinheiro se tornou uma questão central para muitos departamentos jurídicos.
Neste artigo, você conhecerá os principais pontos da lei, entenderá qual a conceituação desse crime, quais as penas previstas e ficará por dentro das principais atualizações legais. Ao final, encontrará também uma lista com quatro dicas para prevenir e coibir a lavagem de capitais nas organizações. Vamos lá? Boa leitura!
A Lei 9.613/98 é o dispositivo legal que dispõem sobre o crime de lavagem de dinheiro, também chamado de lavagem de capitais ou de ocultação de valores. Para além da tipificação do crime e de suas penas, o texto legal também trata da prevenção quanto ao uso do sistema financeiro para esses ilícitos, e ainda cria o o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF.
Embora, popularmente, a lavagem de dinheiro esteja associada a cargos públicos e à corrupção no nível administrativo, a origem da Lei de Lavagem de Dinheiro é distinta. Em sua nascença, ela esteve ligada ao combate ao narcotráfico.
Efetivamente, a Lei 9.613/98 remonta ao ano de 1988, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, conhecida como Convenção de Viena.
Conforme explica o advogado criminalista Roberto Podval, o Brasil ratificou a Convenção de Viena em 1991 e, em seguida, criou um grupo para discutir e redigir o projeto legislativo. O objetivo era, desde o princípio, atualizar o ordenamento jurídico pátrio frente às normativas mais atualizadas disponíveis na época.
Sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em março de 1998, a Lei de Lavagem de Dinheiro é uma das mais importantes Leis Especiais Penais em vigor no país. Antes de mais nada, portanto, vamos entender qual o conceito de lavagem de dinheiro apresentado nesse dispositivo.
O art. 1º da Lei 9.613/98 define o crime de lavagem de dinheiro nos seguintes termos:
“Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. “
A definição pode parecer simples ao primeiro olhar, mas a doutrina costuma dividir esse crime em três fases ou núcleos, que ajudam a caracterizar a prática. As definições de cada fase podem variar, assim como seus nomes.
O jurista Marco Antônio de Barros, lista algumas das denominações que cada fase recebe:
É possível encontrar, na doutrina, uma mesma fase sendo chamada por diferentes termos.
Na hora de definir cada uma das três fases, há pequenas variações. Aqui, nos atemos ao entendimento do professor Celso Sanchez Vilardi, para quem a lavagem de dinheiro se caracteriza por:
Assim, está claro, a lavagem de dinheiro terá como objeto sempre “bens, direitos ou valores” cuja origem está à margem da lei.
Para além, a conceituação em três fases permite identificar outro aspecto fundamental desse crime: raramente se trata de um ato isolado, mas sim de um concateneamento de ações que visam incorporar esses bens à economia lícita.
No momento de sua aprovação, a Lei 9613/98 cumpriu o importante papel de integrar o Brasil ao grupo de países que já haviam aprovado legislações similares, para coibir a lavagem de dinheiro.
Ao longo do tempo, a importância de uma lei como essa tornou-se ainda mais clara, uma vez que a prática superou os limites do narcotráfico. E, embora tenha recebido críticos, não se pode negar que o texto legal não protégé apenas a ordem econômico-financeira.
Na prática, ele tem implicações e abrangência ainda mais ampla, como resumiram os professores Alexandre Sturion de Paula e Gonçalo Farias de Oliveira Junior:
“Com efeito, face à natureza pluriofensiva do “branqueamento” de dinheiro, que apresenta em si uma amplitude metajurídica, no sentido de que se irradia para diversos setores da sociedade e do Estado e que decore do caráter multifacetado do seu processo de realização e da feição acessória do tipo penal, a legislação anto-reciclagem [Lei 9613/98] é dotada de múltipla objetividade jurídica. Assim, podemos indicar como valores outros por ela tutelados a administração da justiça, o sistema financeiro, a saúde pública, a segurança nacional, a Administraçao Pública, o patrimônio, etc”. Aspectos Constitucionais Penais da Lei de” Lavagem” de Dinheiro. Revista de Ciências Jurídicas e Empresariais, v. 2, n. 1, 2001
Como você já sabe, a lavage de dinheiro é caracterizada por um conjunto de práticas que tem como resultado a ocultação de valores, bens e direitos obtidos de modo ilícito, por meio de infrações penais.
Assim, quando se trata de elencar casos práticos de lavagem de dinheiro, é difícil identificar apenas uma ação isolada. Com essa ressalva em mente, pode-se considerar como exemplos de práticas utilizadas para dissimulação de valores ilícitos em operações de lavagem de dinheiro:
As maiores penas previstas na Lei 9.613/98 estão relacionadas ao crime de lavagem de capitais, com a consequente ocultação e dissimulação de valores. Por outro lado, a Lei de Lavagem de Dinheiro em seu texto atual prevê também penalidades para agentes responsáveis por ações de prevenção.
Assim, dividimos as penas em dois grupos: as criminais e as administrativa. Vamos a elas?
A maior pena prevista na Lei de Lavagem de Dinheiro é aquela aplicada a quem efetivamente oculta ou dissimula bens, valores ou direitos provenientes de infração legal: a pena é de 3 a 10 anos de prisão, além de multa.
Além disso, o Art. 1º traz dois parágrafos que detalham condutas específicas que podem resultar na mesma penalidade. In verbis:
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
I – os converte em ativos lícitos;
II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;
II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
As pessoas naturais e jurídicas que estão obrigadas a colaborar com os mecanismos de controle – listadas no art. 9º da Lei de Lavagem de Dinheiro – bem como os administradores dessas organizações podem sofrer sanções administrativas caso não cumpram com as obrigações previstas no art. 10º e 11º.
Essas obrigações, como você verá na próxima seção, sofreram alterações em 2012. Contudo, de modo geral, pode-se dizer que elas dizem respeito à manutenção de registros e cadastros de clientes, a colaboração e comunicação com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, entre outros órgãos de controle.
Assim, quem descumprir essas diretrizes pode sofrer sanções como (art. 12):
Uma das principais alterações promovidas pela Lei 12.683/12, no texto original da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9613/98) diz respeito aos crimes antecedentes, que originam a lavagem. Outro ponto diz respeito importante diz respeito às políticas de prevenção e à comunicação de atividades suspeitas.
Vejamos ambas as alterações, em detalhes, abaixo.
Até 2012, o artigo 01º da Lei elencava os crimes que originariam os bens ou valores a serem ocultados, sendo eles:
Todos esses itens foram integralmente revogados com a publicação da Lei 12.683/12. A palavra “crime” também foi substituída pela expressão “infração penal” Assim, em tese, o texto legal deixou de conter um rol taxativo de crimes antecedentes. A mudança dividiu opiniões.
Por um lado, alguns estudiosos do Direito advogam que a exclusão desse “rol taxativo” garante que a lei estará apta a acompanhar as novas práticas engenhosamente criadas para ocultar lucros obtidos de modo ilícito.
Outra corrente, no entanto, critica a retirada do rol, que permite que qualquer conduta dê origem ao crime de lavagem de dinheiro. O principal argumento, nestes casos, é de que haveria uma “vulgarização” do tema.
Na prática, os críticos apontam que o novo texto legal poderia acabar originando penas desproporcionais ao feito. Isso porque, a Lei 12.683/12 colocaria lado a lado o traficante internacional de drogas, que oculta e dissimula seus lucros, e o promotor de um bingo ou quermesse, que deixar de declarar os valores obtidos na simplória jogatina. Como exemplificam os professores Heloisa Estellita e Pierpaolo Cruz Bottini, em artigo sobre o tema:
Haverá situações de perplexidade nas quais o autor da contravenção antecedente, como, por exemplo, aquele que promover jogo de azar, estará sujeito a uma pena extremamente mais severa pela lavagem (três a dez anos) do que aquela prevista para o próprio crime que se quer coibir (o jogo de azar, com pena de três meses a um ano e multa, art. 50, LCP). Se a intenção era atingir o jogo do bicho, melhor seria ter transformado esta conduta em crime em vez de sobrecarregar o sistema penal com um sem-número de condutas de pouca gravidade.
A Lei 12.683/12 alterou os artigos 9º, 10º e 11º da Lei de Lavagem de Dinheiro, onde se aborda a prevenção e comunicação de operações financeiras.
Assim, no rol de pessoas submetidas aos instrumentos de controle passa a estar aquelas que “em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não” (Art. 9º, caput), exerçam atividades como:
Assim, além de pessoas jurídicas que atuem em setores econômicos e atividades comumente utilizadas para lavagem de dinheiro, chama atenção a inclusão de profissionais liberais, como contadores e advogados, nesse rol de pessoas.
E, o que essas pessoas físicas e jurídicas estão obrigadas a fazer, em matéria de prevenção e inibição à lavagem de dinheiro? A lista de obrigações incluia originalmente ações como manter registro e cadastro dos clientes, bem como das transações realizadas.
Mas, com a aprovação da Lei 12.683/12, as responsabilidades foram ampliadas. Agora, essas pessoas devem também:
Evidentemente, as novas determinações fortalecem as políticas de prevenção à lavagem e ocultação de capitais. Mas abrem margem para uma série de dilemas éticos e jurídicos. Como pontuam, mais uma vez, os professores Heloisa Estellita e Pierpaolo Cruz Bottini:
“[…]a maior preocupação certamente é a possível inclusão dos advogados que prestem serviços de assessoria, aconselhamento, auditoria ou assistência em transações comerciais e financeiras (nova redação do art. 9.º, parágrafo único, inciso XIV). A preocupação deriva, evidentemente, da estreita relação (ou fricção?) entre os novos deveres e o dever de sigilo profissional, imposto pelo Estatuto da OAB. Será lícito exigir que o advogado comunique aos órgãos de fiscalização a prática de atos suspeitos de lavagem de dinheiro por seu cliente? Será que tal imposição não viola a relação – legalmente imposta – de confidencialidade entre o profissional e seu cliente? Mais: será que não se afeta com tal determinação a faculdade do réu de não produzir prova contra si mesmo? Afinal, a obrigação de delação por parte do profissional de confiança do cliente não deixa de ser uma obtenção indireta de informação autoincriminadora.”
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Diante das punições legais previstas, dos prejuízos econômicos e dos riscos à imagem e à credibilidade de uma organização, é evidente que os departamentos jurídicos precisam se preocupar com a lavagem de capitais.
A melhor abordagem, neste caso, é certamente a prevenção. Com isso em mente, abaixo, reunimos quatro dicas práticas que podem ajudar a reduzir o risco desse crime nas empresas. Confira!
A Lei 9613/12, assim como a nova Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/12) dão destaque à necessidade de manutenção de um cadastro de clientes e de registros das operações realizadas. Essa responsabilidade, evidentemente, é compartilhada com o setor Financeiro das empresas – mas, mesmo assim, o jurídico não pode se abster.
A principal tarefa dos advogados corporativos e gestores jurídicos, neste caso, é estabelecer sistemáticas de armazenamento dos dados requeridos pelas organizações de controle de modo a atender, não apenas a Lei de Lavagem de Dinheiro, mas também a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Um caminho possível e recomendável para facilitar esse trabalho é utilizar softwares integrados, para a gestão desses dados. Mas a avaliação dos requisitos de coleta e dos procedimentos internos de tratamento dos dados ainda dependem da atuação estratégica do jurídico.
A lavagem de dinheiro costuma envolver diversas pessoas, físicas e jurídicas. É por meio dessa rede que grandes montantes financeiros podem ser dissimulados e ganhar ares de legalidade. Por isso, uma das atuações possíveis do departamento jurídico é no que tange à gestão de risco de terceiros.
Trata-se, de modo resumido, em um conjunto de práticas e diretrizes que visam minimizar os riscos assumidos quando uma organização estabelece vínculos com colaboradores, clientes, parceiros e fornecedores.
Uma série de procedimentos costumam integrar uma boa política de gestão de riscos de terceiros. Aqui, podemos citar uma ação simples mais fundamental: o background check. Trata-se da checagem de antecedentes dos stakeholders com quem sua empresa se relaciona.
Os antecendentes checados neste caso vão muito além dos criminais, podendo incluir antecedentes fiscais, tributários, trabalhistas, entre outros.
Uma pesquisa de 2020, realizada pela consultoria global Kroll, mostrou que as auditorias internas são a principal ferramenta hoje para identificação de episódios de lavagem de capitais (imagem abaixo).
Por isso, é fundamental que os departamentos jurídicos definam e implementem procedimentos claros de auditoria. Além disso, as auditorias não podem e não devem ser ações únicas ou extremamente espaçadas no tempo. O ideal é definir uma periodicidade média, como por exemplo, anualmente.
Leia também: Auditoria Jurídica: o que é, como funciona e importância
Os programas e políticas de compliance são instrumentos cada vez mais comuns em médias e grandes empresas. No que tange ao crime de lavagem de dinheiro e sua prevenção, alguns aspectos que podem ser considerados no desenho de uma política de compliance:
Além disso, é fundamental que o jurídico trabalhe a partir das particularidades da empresa. Afinal, os desafios das políticas antilavagem em uma fintech e uma incorporadora imobiliária, por exemplo, não são os mesmos.
A Lei 9613/98 é conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro. Ela tipifica esse crime, define as penas, majorantes e minorantes, além de estabeler procedimentos de prevenção, sobretudo relacionados à atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
No texto da Lei 9613/98 fica entendido que a lavagem de dinheiro compreende a ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores que provem de alguma infração penal. Assim, no cerne dá definição está que o dinheiro lavado deve prover de alguma infração antecendente.
A maior pena prevista na Lei 9613/98 é aquela destina a quem ocultar ou dissimular a origem, localização, movimentação ou natureza de valores, direitos ou bens que foram obtidos por meio de alguma infração. Neste caso, a pena é de 3 a 10 anos de prisão, além de multa.
Quaisquer pessoas físicas ou jurídicas estão sujeitas às penas previstas na lei de lavagem de dinheiro.
A Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9613/98), está claro, é uma das mais importantes leis penas especiais. Conhecer os detalhes desse texto legal é essencial para qualquer advogado e, sobretudo, para aqueles que atuam na advocacia corporativa.
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Parabéns pela linguagem simples utilizada e didática aplicada, a combinação de ambas me proporcionou um entendimento substancial.
Obrigado