Análise de riscos: quando dizer não ao cliente com um estudo de caso

08/11/2018
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11/09/2020
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10 minutos

Análise de riscos e viabilidade na advocacia: saber dizer não traz credibilidade e confiança para você e sua equipe

Alguns profissionais acreditam que entrar com uma ação é mais vantajoso do que fazer uma análise de riscos, preliminarmente, e aconselhar o cliente no sentido contrário. Contudo, mostramos aqui que nem sempre isto será verdade. Em alguns casos, pode ser mais benéfico dizer não ao cliente. Ainda que os interesses dele pareçam frustrados, é uma forma de protegê-lo de prejuízos maiores. Assim, pode-se construir uma relação de confiança melhor. Evitam-se os transtornos de um processo fadado ao insucesso. E, quem sabe, pode-se fidelizar um cliente.

Para demostrar uma dessas situações, trazemos um estudo de caso sobre o princípio da globalidade em seguro de transporte, em que foi realizada uma análise de riscos.

Estudo de caso – Princípio da Globalidade 

Um dia desses, recebemos uma transportadora no escritório. A reclamação dela era simples. Ela havia tido um carregamento bastante grande roubado no Rio de Janeiro. Contudo, a seguradora havia se recusado a ressarcir a perda.

analise de riscos

A empresa de transportes alegava:

  • cumprimento das obrigações contratuais;
  • averbação de todos os embarques por meio de transmissão eletrônica com anexação da documentação antes do transporte e sinistro;
  • falta de pleno conhecimento quanto ao funcionamento do programa da seguradora;
  • erro quando do preenchimento dos valores lançados no formulário eletrônico;
  • mas sobretudo alegava má-fé da seguradora que mesmo ciente das inconsistências não os orientou.

A seguradora, conforme a alegação, deixou para recusar o pagamento quando houve o sinistro, ao invés de orientá-los oportunamente. Diante disso, o gestor restou atônito com a recusa e o que ele chamava de “extrema má-fé” da seguradora. Todavia, a análise de riscos e viabilidade ainda não havia sido feita.

Reconhecimento do erro e antecipação dos prejuízos

Investigamos melhor o caso, então, e fizemos uma análise de riscos e viabilidade. Vimos, contudo, que os argumentos do gestor não prosperariam numa ação judicial. Isto porque a empresa teria procedido com a averbação de todos os embarques, mas havia uma singularidade do software da seguradora. E a empresa teria preenchido o campo destinado ao valor das mercadorias com o valor equivocado. Teria, assim, colocado o valor do prêmio do seguro cobrado da empresa que contratou os serviços de transporte.

Eventual falta de conhecimento quanto ao funcionamento do software da seguradora não seria desculpa para as incorreções. Isto porque a diferença nos valores que deixaram de ser averbados ultrapassavam 70%. Consequentemente, o montante superava R$ 27 milhões.

Desde o início da faculdade de direito aprendemos que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. E este caso ia de encontro a esta máxima do nosso Ordenamento Jurídico.

Veja: em nenhum momento, houve dúvida acerca da boa-fé da empresa. Até porque o gestor não estaria tão transtornado no atendimento. Mas quando lidamos com responsabilidade e comprometimento no atendimento ao cliente, temos de esgotar todas as possibilidades para chegar a melhor solução em cada caso. E às vezes, a melhor solução não é fazer o que o cliente deseja ou entende ser correto. Tudo depende do que será vislumbrado na análise de riscos e viabilidade. Numa ação como esta, por exemplo, o cliente estaria suscetível à condenação das verbas sucumbenciais, por exemplo. E diante do alto valor da causa, sofreria mais um prejuízo.

Análise prévia de riscos e de viabilidade

Em função de fatos como esse, todos os casos que nos são entregues para as tomadas de providências são analisados. Realizamos, então, o que chamamos de Análise Prévia de Viabilidade – APV. Do mesmo modo, quando somos acionados para realizar defesa elaboramos APR – Análise Prévia de Riscos. Assim, mostramos ao cliente os reais riscos daquela demanda.

Na análise de riscos e de viabilidade deste caso, detectamos que o contrato previa, em uma de suas cláusulas, um cálculo base para o valor do prêmio. Este era, então, calculado a partir do valor dos bens ou mercadorias, declarados no conhecimento ou manifesto de cargas e na averbação, e nas taxas de seguro.

Somado a isso, o artigo 766, Código Civil, preleciona: “Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido”.

No caso em tela, debatemos internamente até mesmo a possibilidade de recorrermos ao parágrafo único do supra aludido artigo, pois ele determina:

“Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.”

Todavia, sopesamos que não havia sido um caso isolado. Havia, no entanto, reiterados meses e algumas dezenas de milhões de reais.

Vale lembrar, também, que as partes são obrigadas a guardar a mais estrita boa-fé na execução do contrato, tanto no que diz respeito ao objeto, quanto no que diz respeito das circunstâncias e declarações a ele concernentes, segundo artigo 765 do Código Civil. Ainda, o artigo 768, CC pune o segurado com a perda do direito à garantia quando agravado o risco intencionalmente.

Condições gerais do contrato

Não bastasse a legislação, também havia uma importante questão nas Condições Gerais do Contrato. Isto porque se estipulava que “o não cumprimento da obrigação de averbar todos os embarques abrangidos pela apólice, quaisquer que sejam seus valores, isentará, de pleno direito, a Seguradora da responsabilidade de efetuar o pagamento de qualquer indenização decorrente deste seguro, ainda que o embarque sinistrado tenha sido averbado, ressalvado o disposto no parágrafo primeiro do artigo 10, do Capítulo VI, e no artigo 20 do Capítulo XI destas Condições Gerais.”

A cláusula supra descrita, portanto, representa característica fundamental do que chamamos de “apólice aberta” ou “apólice de averbação” ou, ainda “apólice geral”.

Nela, a palavra “todos” encerra, então, fundamental requisito das apólice desta natureza. E isto por causa de uma razão elementar. Afinal, é requisito essencial, para a existência dessa modalidade de seguro, a obrigação contratualmente imposta ao transportador de averbar todos os embarques que tenha realizado naquele período, sem qualquer exceção.

Do contrário, poderia escolher, dentre os embarques, quais seriam e quais não seriam averbados. Ou seja, somente averbaria aqueles que lhe interessasse, desestabilizando por completo a relação contratual.

Não seriam mais averbações de embarques, mas de sinistros. O transportador somente comunicaria os eventos onde tivesse tido prejuízos, inviabilizando a concessão da garantia pelo segurador.

A obrigação do transportador objeto de nossa análise eleva-se à condição de princípio, tal sua essencialidade. Consiste no denominado princípio da globalidade, segundo o qual o contrato deve abranger todas as operações realizadas pelo segurado durante o período em que lhe é concedida a garantia.

Assim, concluímos, na análise de riscos e viabilidade, que houve perda do direito à indenização por infringência ao princípio da globalidade.

Jurisprudência do STJ

O STJ já teve a oportunidade de julgar caso similar ao objeto da nossa análise de riscos. Cristalizou, assim, o entendimento de que a reiterada falta de averbação integral dos embarques realizados viola o princípio da globalidade e a obrigação contratualmente assumida. Em consequência, acarreta na perda do direito à garantia securitária. Se não, vejamos:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO SECURITÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR RODOVIÁRIO DE CARGAS. APÓLICE EM ABERTO. DEFICIÊNCIA DE AVERBAÇÕES DE MERCADORIAS. PRÁTICA REITERADA. PRINCÍPIO DA GLOBALIDADE. INOBSERVÂNCIA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. PERDA DA GARANTIA SECURITÁRIA.

1. Ação de cobrança fundada em Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas (RCTR-C), de apólice aberta, visando o recebimento de indenização securitária decorrente de sinistro: o veículo transportador sofreu incêndio de causa ignorada, ocasionando avarias à mercadoria transportada.

2. No seguro de apólice aberta, em que há cláusula de averbação, como todos os embarques futuros já estão, desde logo, protegidos pelas condições contratuais durante certo período de tempo, a totalidade dos transportes e dos bens e mercadorias que o transportador receber deverá, necessariamente, ser averbada, sem exceção (princípio da globalidade).

3. Para o seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga, em virtude de os transportadores terrestres não saberem quando serão chamados a recolher as mercadorias, tampouco o valor e o local de destino, a entrega da averbação com os detalhes necessários à caracterização do risco é feita no dia seguinte à emissão dos conhecimentos ou manifestos de carga. Com base nos pedidos de averbação recebidos, geralmente em cada mês de vigência do seguro, a seguradora extrai a conta mensal de prêmio, encaminhando-a ao segurado para o respectivo pagamento.

Das cláusulas e deveres

O acórdão, então, prossegue, tratando das cláusulas e dos deveres estipulados, alguns dos quais foram identificados em nossa análise de riscos:

4. É válida a cláusula permitindo a entrega de averbações após o início dos riscos, no caso de seguro de responsabilidade civil do transportador, desde que averbados todos os embarques; a não averbação de todos os embarques isenta de responsabilidade a seguradora, dada a não observância do princípio da globalidade, essencial para manter hígida a equação matemática que dá suporte ao negócio jurídico entabulado.Exceção deve ser feita se, comprovadamente, a omissão do transportador se der por mero lapso, a evidenciar a boa-fé.

5. O dever de comunicar todos os embarques tem a finalidade de evitar que o segurado averbe apenas aqueles que lhe interessem (notadamente eventos em que ocorreram prejuízos), porquanto a livre seleção dos riscos a critério do transportador, com exclusão das averbações dos embarques de pequeno risco, tornaria insuficiente ou deficitário o fundo mútuo constituído pelos prêmios pagos por todo o grupo segurado. Seriam averbações de sinistros ao invés de averbações de embarques.

6. A empresa transportadora que reiteradamente não faz averbações integrais dos embarques realizados, não cumprindo o princípio da globalidade ou a obrigação contratual, perde o direito à garantia securitária, sobretudo se não forem meros lapsos, a configurar boa-fé, mas sonegações capazes de interferir no equilíbrio do contrato e no cálculo dos prêmios.

7. Recurso especial não provido.

(REsp 1.318.021/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3a Turma, julgado em 03/02/2015).

Por que dizer não após a análise de riscos?

Essa análise de riscos minuciosa nos fez concluir pela inviabilidade da propositura da ação pretendida pelo cliente. Há quem diga que “ir tão a fundo” é perder tempo. Ao contrário, eu acredito que se ater a um estudo prévio profundo e de qualidade faz com que seu cliente se sinta seguro e você e sua equipe ganhem credibilidade.

Que venham mais desafios!

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Alguns profissionais acreditam que entrar com uma ação é mais vantajoso do que fazer uma análise de riscos, preliminarmente, e aconselhar o cliente no sentido contrário. Contudo, mostramos aqui que nem sempre isto será verdade. Em alguns casos, pode ser mais benéfico dizer não ao cliente. Ainda que os interesses dele pareçam frustrados, é uma forma de protegê-lo de prejuízos maiores. Assim, pode-se construir uma relação de confiança melhor. Evitam-se os transtornos de um processo fadado ao insucesso. E, quem sabe, pode-se fidelizar um cliente.

Para demostrar uma dessas situações, trazemos um estudo de caso sobre o princípio da globalidade em seguro de transporte, em que foi realizada uma análise de riscos.

Estudo de caso – Princípio da Globalidade 

Um dia desses, recebemos uma transportadora no escritório. A reclamação dela era simples. Ela havia tido um carregamento bastante grande roubado no Rio de Janeiro. Contudo, a seguradora havia se recusado a ressarcir a perda.

analise de riscos

A empresa de transportes alegava:

  • cumprimento das obrigações contratuais;
  • averbação de todos os embarques por meio de transmissão eletrônica com anexação da documentação antes do transporte e sinistro;
  • falta de pleno conhecimento quanto ao funcionamento do programa da seguradora;
  • erro quando do preenchimento dos valores lançados no formulário eletrônico;
  • mas sobretudo alegava má-fé da seguradora que mesmo ciente das inconsistências não os orientou.

A seguradora, conforme a alegação, deixou para recusar o pagamento quando houve o sinistro, ao invés de orientá-los oportunamente. Diante disso, o gestor restou atônito com a recusa e o que ele chamava de “extrema má-fé” da seguradora. Todavia, a análise de riscos e viabilidade ainda não havia sido feita.

Reconhecimento do erro e antecipação dos prejuízos

Investigamos melhor o caso, então, e fizemos uma análise de riscos e viabilidade. Vimos, contudo, que os argumentos do gestor não prosperariam numa ação judicial. Isto porque a empresa teria procedido com a averbação de todos os embarques, mas havia uma singularidade do software da seguradora. E a empresa teria preenchido o campo destinado ao valor das mercadorias com o valor equivocado. Teria, assim, colocado o valor do prêmio do seguro cobrado da empresa que contratou os serviços de transporte.

Eventual falta de conhecimento quanto ao funcionamento do software da seguradora não seria desculpa para as incorreções. Isto porque a diferença nos valores que deixaram de ser averbados ultrapassavam 70%. Consequentemente, o montante superava R$ 27 milhões.

Desde o início da faculdade de direito aprendemos que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. E este caso ia de encontro a esta máxima do nosso Ordenamento Jurídico.

Veja: em nenhum momento, houve dúvida acerca da boa-fé da empresa. Até porque o gestor não estaria tão transtornado no atendimento. Mas quando lidamos com responsabilidade e comprometimento no atendimento ao cliente, temos de esgotar todas as possibilidades para chegar a melhor solução em cada caso. E às vezes, a melhor solução não é fazer o que o cliente deseja ou entende ser correto. Tudo depende do que será vislumbrado na análise de riscos e viabilidade. Numa ação como esta, por exemplo, o cliente estaria suscetível à condenação das verbas sucumbenciais, por exemplo. E diante do alto valor da causa, sofreria mais um prejuízo.

Análise prévia de riscos e de viabilidade

Em função de fatos como esse, todos os casos que nos são entregues para as tomadas de providências são analisados. Realizamos, então, o que chamamos de Análise Prévia de Viabilidade – APV. Do mesmo modo, quando somos acionados para realizar defesa elaboramos APR – Análise Prévia de Riscos. Assim, mostramos ao cliente os reais riscos daquela demanda.

Na análise de riscos e de viabilidade deste caso, detectamos que o contrato previa, em uma de suas cláusulas, um cálculo base para o valor do prêmio. Este era, então, calculado a partir do valor dos bens ou mercadorias, declarados no conhecimento ou manifesto de cargas e na averbação, e nas taxas de seguro.

Somado a isso, o artigo 766, Código Civil, preleciona: “Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido”.

No caso em tela, debatemos internamente até mesmo a possibilidade de recorrermos ao parágrafo único do supra aludido artigo, pois ele determina:

“Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.”

Todavia, sopesamos que não havia sido um caso isolado. Havia, no entanto, reiterados meses e algumas dezenas de milhões de reais.

Vale lembrar, também, que as partes são obrigadas a guardar a mais estrita boa-fé na execução do contrato, tanto no que diz respeito ao objeto, quanto no que diz respeito das circunstâncias e declarações a ele concernentes, segundo artigo 765 do Código Civil. Ainda, o artigo 768, CC pune o segurado com a perda do direito à garantia quando agravado o risco intencionalmente.

Condições gerais do contrato

Não bastasse a legislação, também havia uma importante questão nas Condições Gerais do Contrato. Isto porque se estipulava que “o não cumprimento da obrigação de averbar todos os embarques abrangidos pela apólice, quaisquer que sejam seus valores, isentará, de pleno direito, a Seguradora da responsabilidade de efetuar o pagamento de qualquer indenização decorrente deste seguro, ainda que o embarque sinistrado tenha sido averbado, ressalvado o disposto no parágrafo primeiro do artigo 10, do Capítulo VI, e no artigo 20 do Capítulo XI destas Condições Gerais.”

A cláusula supra descrita, portanto, representa característica fundamental do que chamamos de “apólice aberta” ou “apólice de averbação” ou, ainda “apólice geral”.

Nela, a palavra “todos” encerra, então, fundamental requisito das apólice desta natureza. E isto por causa de uma razão elementar. Afinal, é requisito essencial, para a existência dessa modalidade de seguro, a obrigação contratualmente imposta ao transportador de averbar todos os embarques que tenha realizado naquele período, sem qualquer exceção.

Do contrário, poderia escolher, dentre os embarques, quais seriam e quais não seriam averbados. Ou seja, somente averbaria aqueles que lhe interessasse, desestabilizando por completo a relação contratual.

Não seriam mais averbações de embarques, mas de sinistros. O transportador somente comunicaria os eventos onde tivesse tido prejuízos, inviabilizando a concessão da garantia pelo segurador.

A obrigação do transportador objeto de nossa análise eleva-se à condição de princípio, tal sua essencialidade. Consiste no denominado princípio da globalidade, segundo o qual o contrato deve abranger todas as operações realizadas pelo segurado durante o período em que lhe é concedida a garantia.

Assim, concluímos, na análise de riscos e viabilidade, que houve perda do direito à indenização por infringência ao princípio da globalidade.

Jurisprudência do STJ

O STJ já teve a oportunidade de julgar caso similar ao objeto da nossa análise de riscos. Cristalizou, assim, o entendimento de que a reiterada falta de averbação integral dos embarques realizados viola o princípio da globalidade e a obrigação contratualmente assumida. Em consequência, acarreta na perda do direito à garantia securitária. Se não, vejamos:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO SECURITÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR RODOVIÁRIO DE CARGAS. APÓLICE EM ABERTO. DEFICIÊNCIA DE AVERBAÇÕES DE MERCADORIAS. PRÁTICA REITERADA. PRINCÍPIO DA GLOBALIDADE. INOBSERVÂNCIA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. PERDA DA GARANTIA SECURITÁRIA.

1. Ação de cobrança fundada em Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas (RCTR-C), de apólice aberta, visando o recebimento de indenização securitária decorrente de sinistro: o veículo transportador sofreu incêndio de causa ignorada, ocasionando avarias à mercadoria transportada.

2. No seguro de apólice aberta, em que há cláusula de averbação, como todos os embarques futuros já estão, desde logo, protegidos pelas condições contratuais durante certo período de tempo, a totalidade dos transportes e dos bens e mercadorias que o transportador receber deverá, necessariamente, ser averbada, sem exceção (princípio da globalidade).

3. Para o seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga, em virtude de os transportadores terrestres não saberem quando serão chamados a recolher as mercadorias, tampouco o valor e o local de destino, a entrega da averbação com os detalhes necessários à caracterização do risco é feita no dia seguinte à emissão dos conhecimentos ou manifestos de carga. Com base nos pedidos de averbação recebidos, geralmente em cada mês de vigência do seguro, a seguradora extrai a conta mensal de prêmio, encaminhando-a ao segurado para o respectivo pagamento.

Das cláusulas e deveres

O acórdão, então, prossegue, tratando das cláusulas e dos deveres estipulados, alguns dos quais foram identificados em nossa análise de riscos:

4. É válida a cláusula permitindo a entrega de averbações após o início dos riscos, no caso de seguro de responsabilidade civil do transportador, desde que averbados todos os embarques; a não averbação de todos os embarques isenta de responsabilidade a seguradora, dada a não observância do princípio da globalidade, essencial para manter hígida a equação matemática que dá suporte ao negócio jurídico entabulado.Exceção deve ser feita se, comprovadamente, a omissão do transportador se der por mero lapso, a evidenciar a boa-fé.

5. O dever de comunicar todos os embarques tem a finalidade de evitar que o segurado averbe apenas aqueles que lhe interessem (notadamente eventos em que ocorreram prejuízos), porquanto a livre seleção dos riscos a critério do transportador, com exclusão das averbações dos embarques de pequeno risco, tornaria insuficiente ou deficitário o fundo mútuo constituído pelos prêmios pagos por todo o grupo segurado. Seriam averbações de sinistros ao invés de averbações de embarques.

6. A empresa transportadora que reiteradamente não faz averbações integrais dos embarques realizados, não cumprindo o princípio da globalidade ou a obrigação contratual, perde o direito à garantia securitária, sobretudo se não forem meros lapsos, a configurar boa-fé, mas sonegações capazes de interferir no equilíbrio do contrato e no cálculo dos prêmios.

7. Recurso especial não provido.

(REsp 1.318.021/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3a Turma, julgado em 03/02/2015).

Por que dizer não após a análise de riscos?

Essa análise de riscos minuciosa nos fez concluir pela inviabilidade da propositura da ação pretendida pelo cliente. Há quem diga que “ir tão a fundo” é perder tempo. Ao contrário, eu acredito que se ater a um estudo prévio profundo e de qualidade faz com que seu cliente se sinta seguro e você e sua equipe ganhem credibilidade.

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