Arbitragem empresarial: fundamentos jurídicos, funcionamento e critérios de aplicação

Entenda a arbitragem empresarial: fundamentos jurídicos, funcionamento, limites e critérios de aplicação para departamentos jurídicos.

user Tiago Fachini calendar--v1 29 de dezembro de 2025

A arbitragem empresarial se consolidou como instrumento estratégico de resolução de conflitos no Brasil. O crescimento do instituto reflete a busca por respostas mais ágeis, especializadas e previsíveis que o Judiciário em determinados conflitos empresariais, embora este permaneça essencial ao sistema de justiça.

Este artigo apresenta a arbitragem empresarial sob perspectiva técnica e prática. O objetivo é explicar seus fundamentos jurídicos, funcionamento, limites e critérios de uso, oferecendo base sólida para departamentos jurídicos que precisam ir além do conceito genérico.

O que é arbitragem empresarial?

A arbitragem empresarial é um meio heterocompositivo privado de resolução de conflitos. As partes transferem a um ou mais árbitros o poder de decidir controvérsias que envolvem direitos patrimoniais disponíveis.

Diferente da mediação, que depende da construção de consenso entre as partes, a arbitragem resulta em decisão vinculante. O árbitro julga. A sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença judicial e constitui título executivo judicial (art. 515, VII, do CPC/2015).

No Brasil, a arbitragem é regulada pela Lei nº 9.307/1996, reformada pela Lei nº 13.129/2015. Essa reforma ampliou o uso do instituto pela Administração Pública, autorizou expressamente sentenças parciais e reforçou a segurança jurídica do procedimento.

O ponto central da lei está no artigo 1º. Apenas litígios que envolvam direitos patrimoniais disponíveis podem ser submetidos à arbitragem. Esse critério delimita com precisão o campo de aplicação do instituto.

Arbitrabilidade e os limites objetivos e subjetivos da arbitragem empresarial

A arbitrabilidade define quais conflitos podem, juridicamente, ser resolvidos por arbitragem.

Do ponto de vista objetivo, apenas direitos patrimoniais disponíveis são arbitráveis. Isso inclui disputas contratuais, societárias, comerciais e empresariais em geral. Ficam excluídas matérias como direito penal, estado das pessoas, filiação, capacidade civil, direito de família em sentido estrito e qualquer tema legalmente indisponível.

Sob o aspecto subjetivo, é necessário que as partes tenham capacidade para contratar. Pessoas jurídicas possuem plena capacidade arbitral. Desde 2015, a Administração Pública também pode utilizar a arbitragem, desde que observados requisitos específicos.

No âmbito público, a arbitragem deve ser sempre de direito e respeitar o princípio da publicidade. O artigo 1º, §1º, da Lei nº 9.307/96 autoriza expressamente o uso do instituto pela administração direta e indireta em conflitos patrimoniais disponíveis.

A jurisprudência do STJ consolidou a distinção entre direito público primário, indisponível e não arbitrável, e direito público secundário, disponível e arbitrável quando o Estado atua em relações patrimoniais. Essa distinção orienta a aplicação prática da arbitragem em contratos administrativos e concessões.

Como a arbitragem é instituída: convenções arbitrais

A arbitragem depende de manifestação de vontade. Essa vontade se formaliza por meio das convenções de arbitragem, que se dividem em cláusula compromissória e compromisso arbitral.

A cláusula compromissória é um pacto preventivo. As partes inserem no contrato, antes de qualquer litígio existir, a previsão de que conflitos futuros e determináveis serão resolvidos por arbitragem. Trata-se de planejamento jurídico.

O compromisso arbitral é um pacto corretivo. Ele é firmado após o surgimento do conflito e tem como finalidade submeter aquela controvérsia específica à arbitragem. Pode ser celebrado judicial ou extrajudicialmente.

Na prática empresarial, a diferença é relevante. A cláusula compromissória antecipa soluções e reduz resistência futura. O compromisso arbitral depende de consenso em cenário de conflito, o que frequentemente inviabiliza sua celebração.

Cláusula compromissória cheia e cláusula vazia

Nem toda cláusula compromissória é eficiente. A distinção entre cláusula cheia e cláusula vazia tem impacto direto na efetividade da arbitragem.

A cláusula cheia contém todos os elementos necessários para a instauração imediata do procedimento arbitral. Indica a câmara arbitral, o regulamento aplicável, o número de árbitros e a sede da arbitragem. Permite iniciar o procedimento mesmo diante da resistência de uma das partes.

A cláusula vazia prevê a arbitragem de forma genérica, sem definir procedimento. Exige complementação posterior. Se não houver consenso, a parte interessada precisa recorrer ao Judiciário para suprir a omissão, o que gera atraso e insegurança.

O STJ consolidou entendimento de que a cláusula compromissória cheia dispensa concordância posterior das partes para início do procedimento arbitral. Uma cláusula bem redigida elimina entraves processuais e litígios paralelos.

Quem decide a competência na arbitragem empresarial: princípio da competência-competência

O princípio da competência-competência está previsto no artigo 8º, parágrafo único, da Lei nº 9.307/96. Ele determina que o árbitro decide, em primeiro lugar, sobre sua própria competência.

O efeito positivo permite ao árbitro examinar a existência, validade e eficácia da convenção arbitral, incluindo sua própria competência. O efeito negativo impede o Judiciário de decidir sobre essa competência antes que o tribunal arbitral se manifeste.

Diante de convenção válida, o juiz deve extinguir o processo sem resolução do mérito, conforme o artigo 485, VII, do CPC/2015. O STJ aplica esse entendimento de forma consistente, reconhecendo a precedência temporal da decisão arbitral.

Na prática, isso significa que questionamentos sobre a validade da cláusula arbitral devem ser feitos dentro do procedimento arbitral. A tentativa de antecipar essa discussão no Judiciário tende a ser rejeitada.

Modelos de arbitragem: institucional e ad hoc

A arbitragem pode ser institucional ou ad hoc. Na arbitragem institucional, o procedimento é administrado por uma câmara arbitral, que fornece regulamento, estrutura administrativa, listas de árbitros e mecanismos para solução de impasses procedimentais.

Na arbitragem ad hoc, não há administração institucional. As partes e os árbitros definem todas as regras do procedimento.

No Brasil, a arbitragem institucional predomina amplamente, pela previsibilidade, suporte logístico e segurança procedimental que oferece. A escolha da câmara é decisão estratégica, pois regulamentos, prazos, custos e perfis de árbitros variam significativamente.

Tempo e duração da arbitragem empresarial

O tempo é uma das principais vantagens da arbitragem, mas deve ser analisado com realismo.

A Lei nº 9.307/96 estabelece prazo de seis meses para prolação da sentença arbitral, contados da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro (art. 23). Na prática, os procedimentos costumam durar mais.

Estudos sobre arbitragem no Brasil indicam duração média entre 18 e 30 meses, com variações conforme complexidade e produção de prova pericial. Ainda assim, o ganho temporal em relação a processos judiciais empresariais, que podem durar de quatro a oito anos em múltiplas instâncias, é significativo.

Modalidades como arbitragem expedita e árbitro de emergência reduzem ainda mais esse tempo em disputas específicas.

Custos da arbitragem empresarial

O custo é um dos pontos mais sensíveis. A arbitragem tende a ser mais cara no início do que o processo judicial, mas pode ser mais eficiente quando considerados tempo total e custos indiretos.

Os custos envolvem taxa de administração da câmara, honorários dos árbitros e despesas procedimentais, como perícias e traduções. Os valores variam conforme a câmara escolhida, o número de árbitros e a complexidade do caso.

Em disputas de maior valor, a arbitragem tende a ser economicamente vantajosa quando se considera custo de oportunidade, imobilização de ativos e impacto estratégico do tempo de resolução. A análise de viabilidade deve ser feita caso a caso.

Sentença arbitral: efeitos, limites e controle judicial

A sentença arbitral é título executivo judicial. O árbitro atua como juiz de fato e de direito, mas não possui poder coercitivo direto para atos de execução forçada.

Atos executivos dependem do Judiciário. As hipóteses de anulação da sentença arbitral são taxativas e estão previstas no artigo 32 da Lei nº 9.307/96. O prazo para ajuizar ação anulatória é decadencial de 90 dias, contados da intimação da sentença ou da decisão que nega os embargos de declaração (art. 33, §1º).

Dados empíricos demonstram alto grau de estabilidade das decisões arbitrais, com baixo índice de anulação. Apenas vícios graves, como nulidade da convenção de arbitragem, desrespeito aos princípios do contraditório e da igualdade das partes, ou julgamento de matéria não arbitrável justificam a anulação.

Quando a arbitragem empresarial é recomendada

A arbitragem é especialmente indicada para disputas societárias, contratos empresariais de alto valor e complexidade, operações com partes estrangeiras e situações que exigem sigilo, especialização técnica e previsibilidade.

Não é recomendada para conflitos de baixo valor econômico, matérias indisponíveis, situações de hipossuficiência ou contratos de adesão com consumidor final.

A decisão sobre usar arbitragem deve considerar o perfil do conflito, a relação entre as partes, a natureza da controvérsia e os objetivos estratégicos da empresa. Não existe solução universal.

Perguntas frequentes

Qual a diferença entre arbitragem e processo judicial?

Na arbitragem, você escolhe quem julga. As partes transferem o poder de decisão a árbitros especializados, que atuam como juízes privados. A sentença tem força judicial, mas o procedimento é construído pelas partes, não imposto pelo Estado.

Por que a sentença arbitral não pode ser recorrida?

Porque se baseia em consenso prévio. Ao assinar a cláusula arbitral, você aceita que a decisão será final. É a contrapartida da autonomia: você escolhe o árbitro, mas renuncia ao recurso. Só cabe anulação por vícios graves.

Qualquer conflito empresarial pode ir para arbitragem?

Não. Só direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, questões envolvendo dinheiro que as partes podem negociar livremente. Ficam fora temas como direito penal e matérias que a lei considera indisponíveis. É o conceito de arbitrabilidade.

Conclusão

A arbitragem empresarial não é um atalho processual nem uma solução universal. É uma ferramenta jurídica estratégica, adequada a contextos específicos.

Quando bem estruturada, reduz tempo, aumenta previsibilidade e entrega decisões técnicas compatíveis com a complexidade dos negócios. Isso exige cláusulas bem redigidas, escolha criteriosa da câmara arbitral e compreensão clara dos limites do instituto.

Para departamentos jurídicos corporativos, entender arbitragem deixou de ser diferencial. Passou a ser parte da gestão consciente de riscos, conflitos e decisões estratégicas.

Tiago Fachini - Especialista em marketing jurídico

Mais de 300 mil ouvidas no JurisCast. Mais de 1.200 artigos publicados no blog Jurídico de Resultados. Especialista em Marketing Jurídico. Palestrante, professor e um apaixonado por um mundo jurídico cada vez mais inteligente e eficiente. Siga @tiagofachini no Youtube, Instagram e Linkedin.

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