A expansão por franquias é uma estratégia comum para crescimento empresarial no Brasil, mas traz um dilema importante para departamentos jurídicos: como proteger o know-how da empresa sem criar cláusulas contratuais vulneráveis a questionamentos judiciais?
A cláusula de barreira, também conhecida como cláusula de não concorrência pós-contratual, é o instrumento que tenta equilibrar essa equação. Porém, sua redação inadequada pode resultar em nulidade judicial, deixando a empresa desprotegida justamente quando mais precisa dessa salvaguarda.
Este artigo reúne os requisitos legais e jurisprudenciais para que departamentos jurídicos empresariais estruturem cláusulas de barreira juridicamente sólidas.
O que é cláusula de barreira?
A cláusula de barreira é uma disposição contratual que restringe o ex-franqueado de exercer atividades concorrentes após o término do contrato de franquia. Seu objetivo é proteger o franqueador contra a apropriação indevida de conhecimentos estratégicos, processos operacionais e relacionamento com clientes desenvolvidos durante a vigência do contrato.
Na prática, essa cláusula impede que um franqueado, ao encerrar sua relação com a marca, utilize imediatamente o know-how adquirido para abrir um negócio concorrente na mesma região, explorando a clientela construída sob a marca do franqueador.
Importante: a cláusula de barreira difere da cláusula de não concorrência durante a vigência do contrato. Enquanto esta última é inerente à relação de franquia (o franqueado não pode operar marca concorrente enquanto opera a franquia), a cláusula de barreira estende essa proteção para o período posterior ao término contratual.
Base legal da cláusula de barreira no Brasil
A Lei nº 13.966/2019 (Nova Lei de Franquias) regula especificamente a cláusula de barreira. O artigo 2º, inciso XV, alínea “b”, determina que a Circular de Oferta de Franquia (COF) deve informar se haverá restrição à “implantação de atividade concorrente” pelo ex-franqueado após o contrato.
A lei não proíbe a cláusula de barreira — ao contrário, reconhece sua legitimidade ao exigir transparência sobre sua existência. A jurisprudência consolidou que este tipo de cláusula é da essência dos contratos de franquia, desde que observados os limites contratuais e constitucionais aplicáveis.
Além da legislação específica de franquias, a cláusula de barreira deve respeitar:
- Código Civil: princípios da liberdade contratual (art. 421), boa-fé objetiva (art. 422) e função social do contrato
- Constituição Federal: direito à livre iniciativa e concorrência (art. 170, IV) e livre exercício profissional (art. 5º, XIII)
A tensão entre proteger o franqueador e preservar o direito constitucional do franqueado à livre iniciativa é o centro da discussão judicial sobre essas cláusulas.
Quando a cláusula de barreira tem validade: requisitos essenciais
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou que cláusulas de não concorrência em contratos empresariais são válidas apenas quando atendem requisitos objetivos de proporcionalidade e boa-fé. Para departamentos jurídicos, isso significa que a cláusula de barreira precisa cumprir simultaneamente todos os seguintes requisitos:
1. Divulgação prévia na COF
A existência e os termos da cláusula de barreira devem estar claramente informados na Circular de Oferta de Franquia. A omissão dessa informação gera vício formal que pode invalidar toda a cláusula, independentemente de seu conteúdo ser razoável.
2. Interesse legítimo do franqueador
A cláusula deve ter finalidade específica de proteger ativos intangíveis do franqueador, como:
- Know-how e processos operacionais proprietários
- Segredos industriais e comerciais
- Relacionamento com fornecedores estratégicos
- Carteira de clientes desenvolvida sob a marca
Restrições genéricas, sem justificativa concreta vinculada à proteção desses ativos, são consideradas abusivas pelo judiciário.
3. Limitação temporal razoável
O prazo de vigência pós-contratual deve ser proporcional à necessidade de proteção do negócio. A jurisprudência tem os seguintes parâmetros:
- Geralmente aceitos: prazos de 2 a 5 anos
- Zona de risco: prazos acima de 5 anos (exigem justificativa robusta)
- Presumidamente abusivos: prazos indefinidos ou superiores a 10 anos
O prazo deve considerar o tempo necessário para que o conhecimento adquirido perca relevância competitiva ou para que o franqueador consolide novos franqueados na região.
4. Delimitação territorial adequada
A área geográfica da restrição deve corresponder ao mercado efetivo de atuação da franquia. Proibições amplas demais são passíveis de anulação:
Válido: Restrição no município onde operou a franquia e municípios limítrofes que compõem a mesma área de influência comercial
Questionável: Restrição em todo o estado, quando a área de atuação efetiva da franquia é municipal
Abusivo: Restrição em todo território nacional, especialmente em regiões onde a marca não opera
5. Especificidade do objeto
A cláusula deve definir precisamente quais atividades são vedadas. Termos vagos como “qualquer atividade relacionada ao setor” abrem margem para questionamento judicial.
Redação adequada: “É vedado ao ex-franqueado operar ou participar de negócio que comercialize [produtos específicos] ou preste [serviços específicos] que caracterizem concorrência direta com o modelo de negócio da franquia”
Redação problemática: “É vedado ao ex-franqueado atuar em qualquer atividade no setor alimentício”
6. Proporcionalidade das sanções
Multas e penalidades por descumprimento devem respeitar a razoabilidade. O judiciário pode reduzir ou anular multas exorbitantes, considerando que a estipulação penal deve desestimular o descumprimento, não enriquecer ilicitamente o franqueador.
Limites constitucionais e jurisprudenciais da cláusula de barreira
Mesmo atendendo aos requisitos formais, a cláusula de barreira pode ser questionada se criar impedimento desproporcional ao direito constitucional de livre iniciativa do ex-franqueado.
O STJ aplica o princípio da razoabilidade: a cláusula não pode inviabilizar completamente a capacidade do franqueado de recomeçar atividades econômicas. Se a restrição for tão ampla que impeça o ex-franqueado de exercer qualquer atividade empresarial para a qual está qualificado, há violação ao princípio da livre iniciativa.
Casos em que a jurisprudência tende a invalidar a cláusula:
- Restrição que abrange toda expertise profissional do franqueado, não apenas o know-how específico da franquia
- Combinação de prazo longo + território amplo + objeto genérico
- Ausência de contrapartida ou compensação ao franqueado pela restrição imposta
- Cláusula redigida de forma unilateral, sem negociação prévia durante a contratação
Interpretação restritiva
Quando a cláusula de barreira apresenta ambiguidade, os tribunais aplicam interpretação restritiva, favorecendo o franqueado. Isso reforça a importância de redação precisa e clara.
Como departamentos jurídicos devem estruturar a cláusula de barreira
Para que a cláusula de barreira resista a questionamentos judiciais, departamentos jurídicos devem adotar as seguintes práticas:
Checklist de redação da cláusula de barreira:
- Incluir a cláusula de barreira na COF com todos os termos (prazo, território, atividades vedadas)
- Justificar expressamente no contrato qual know-how ou ativo específico está sendo protegido
- Delimitar prazo razoável (recomendável: 2 a 5 anos) compatível com o tempo de proteção necessário
- Especificar território limitado à área de atuação efetiva da franquia
- Definir precisamente quais atividades configuram concorrência vedada
- Estabelecer multa proporcional ao potencial dano, evitando valores exorbitantes
- Documentar a negociação da cláusula durante as tratativas, demonstrando que não foi imposta unilateralmente
- Revisar periodicamente a cláusula-padrão conforme evolução jurisprudencial
Modelo de estrutura para a cláusula
Cláusula X – Não Concorrência Pós-Contratual
“Pelo prazo de [X anos] contados do término deste contrato, por qualquer motivo, o FRANQUEADO se obriga a não:
a) Operar, direta ou indiretamente, estabelecimento que comercialize [especificar produtos/serviços] em modelo de negócio concorrente ao da FRANQUEADORA;
b) Participar, como sócio, administrador ou consultor, de empreendimento que explore [especificar atividade] utilizando know-how, processos ou metodologias similares aos desenvolvidos durante a vigência deste contrato;
c) Atender ou contactar, para fins comerciais concorrentes, clientes cadastrados na base de dados da franquia durante sua operação.
Delimitação territorial: A presente restrição aplica-se ao município de [especificar] e municípios limítrofes que compõem a área de influência comercial da unidade franqueada, conforme Anexo [X].
Finalidade: Esta cláusula visa proteger o know-how proprietário da FRANQUEADORA, incluindo [especificar: processos operacionais, relacionamento com fornecedores, metodologia de atendimento, etc.], cuja apropriação indevida causaria prejuízo direto ao sistema de franquia.
Penalidade: O descumprimento desta cláusula sujeita o FRANQUEADO ao pagamento de multa de [valor razoável], sem prejuízo de reparação por perdas e danos efetivamente comprovados.”
Perguntas frequentes
É a disposição contratual que impede o ex-franqueado de exercer atividades concorrentes após o término do contrato de franquia, dentro de prazo e território delimitados.
Protege o franqueador contra apropriação indevida de know-how, processos operacionais, segredos comerciais e desvio de clientela desenvolvida durante a vigência da franquia.
Entre 2 e 5 anos após o término do contrato. Esse período permite proteger ativos intangíveis do franqueador sem inviabilizar a livre iniciativa do ex-franqueado.
Conclusão
A cláusula de barreira é instrumento legítimo e essencial para proteger o franqueador, mas sua validade depende de equilíbrio entre a proteção de ativos empresariais e o respeito aos direitos constitucionais do franqueado.
Para departamentos jurídicos empresariais, a mensagem é clara: cláusulas genéricas, excessivamente restritivas ou mal fundamentadas representam risco jurídico desnecessário. O caminho para proteção efetiva passa por redação técnica precisa, proporcionalidade nas restrições e transparência desde a fase pré-contratual.
A jurisprudência brasileira valida cláusulas de barreira quando elas são razoáveis, específicas e justificadas. Investir tempo na estruturação adequada dessa cláusula não é preciosismo jurídico — é gestão de risco contratual que pode definir a proteção real do negócio no pós-contrato.
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