Cláusula de barreira em contratos de franquia: o que é e quando utilizar

O que é cláusula de barreira e como aplicá-la em contratos de franquia sem risco de nulidade judicial.

user Tiago Fachini calendar--v1 26 de dezembro de 2025

A expansão por franquias é uma estratégia comum para crescimento empresarial no Brasil, mas traz um dilema importante para departamentos jurídicos: como proteger o know-how da empresa sem criar cláusulas contratuais vulneráveis a questionamentos judiciais?

A cláusula de barreira, também conhecida como cláusula de não concorrência pós-contratual, é o instrumento que tenta equilibrar essa equação. Porém, sua redação inadequada pode resultar em nulidade judicial, deixando a empresa desprotegida justamente quando mais precisa dessa salvaguarda.

Este artigo reúne os requisitos legais e jurisprudenciais para que departamentos jurídicos empresariais estruturem cláusulas de barreira juridicamente sólidas.

O que é cláusula de barreira?

A cláusula de barreira é uma disposição contratual que restringe o ex-franqueado de exercer atividades concorrentes após o término do contrato de franquia. Seu objetivo é proteger o franqueador contra a apropriação indevida de conhecimentos estratégicos, processos operacionais e relacionamento com clientes desenvolvidos durante a vigência do contrato.

Na prática, essa cláusula impede que um franqueado, ao encerrar sua relação com a marca, utilize imediatamente o know-how adquirido para abrir um negócio concorrente na mesma região, explorando a clientela construída sob a marca do franqueador.

Importante: a cláusula de barreira difere da cláusula de não concorrência durante a vigência do contrato. Enquanto esta última é inerente à relação de franquia (o franqueado não pode operar marca concorrente enquanto opera a franquia), a cláusula de barreira estende essa proteção para o período posterior ao término contratual.

A Lei nº 13.966/2019 (Nova Lei de Franquias) regula especificamente a cláusula de barreira. O artigo 2º, inciso XV, alínea “b”, determina que a Circular de Oferta de Franquia (COF) deve informar se haverá restrição à “implantação de atividade concorrente” pelo ex-franqueado após o contrato.

A lei não proíbe a cláusula de barreira — ao contrário, reconhece sua legitimidade ao exigir transparência sobre sua existência. A jurisprudência consolidou que este tipo de cláusula é da essência dos contratos de franquia, desde que observados os limites contratuais e constitucionais aplicáveis.

Além da legislação específica de franquias, a cláusula de barreira deve respeitar:

  • Código Civil: princípios da liberdade contratual (art. 421), boa-fé objetiva (art. 422) e função social do contrato
  • Constituição Federal: direito à livre iniciativa e concorrência (art. 170, IV) e livre exercício profissional (art. 5º, XIII)

A tensão entre proteger o franqueador e preservar o direito constitucional do franqueado à livre iniciativa é o centro da discussão judicial sobre essas cláusulas.

Quando a cláusula de barreira tem validade: requisitos essenciais

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou que cláusulas de não concorrência em contratos empresariais são válidas apenas quando atendem requisitos objetivos de proporcionalidade e boa-fé. Para departamentos jurídicos, isso significa que a cláusula de barreira precisa cumprir simultaneamente todos os seguintes requisitos:

1. Divulgação prévia na COF

A existência e os termos da cláusula de barreira devem estar claramente informados na Circular de Oferta de Franquia. A omissão dessa informação gera vício formal que pode invalidar toda a cláusula, independentemente de seu conteúdo ser razoável.

2. Interesse legítimo do franqueador

A cláusula deve ter finalidade específica de proteger ativos intangíveis do franqueador, como:

  • Know-how e processos operacionais proprietários
  • Segredos industriais e comerciais
  • Relacionamento com fornecedores estratégicos
  • Carteira de clientes desenvolvida sob a marca

Restrições genéricas, sem justificativa concreta vinculada à proteção desses ativos, são consideradas abusivas pelo judiciário.

3. Limitação temporal razoável

O prazo de vigência pós-contratual deve ser proporcional à necessidade de proteção do negócio. A jurisprudência tem os seguintes parâmetros:

  • Geralmente aceitos: prazos de 2 a 5 anos
  • Zona de risco: prazos acima de 5 anos (exigem justificativa robusta)
  • Presumidamente abusivos: prazos indefinidos ou superiores a 10 anos

O prazo deve considerar o tempo necessário para que o conhecimento adquirido perca relevância competitiva ou para que o franqueador consolide novos franqueados na região.

4. Delimitação territorial adequada

A área geográfica da restrição deve corresponder ao mercado efetivo de atuação da franquia. Proibições amplas demais são passíveis de anulação:

Válido: Restrição no município onde operou a franquia e municípios limítrofes que compõem a mesma área de influência comercial

Questionável: Restrição em todo o estado, quando a área de atuação efetiva da franquia é municipal

Abusivo: Restrição em todo território nacional, especialmente em regiões onde a marca não opera

5. Especificidade do objeto

A cláusula deve definir precisamente quais atividades são vedadas. Termos vagos como “qualquer atividade relacionada ao setor” abrem margem para questionamento judicial.

Redação adequada: “É vedado ao ex-franqueado operar ou participar de negócio que comercialize [produtos específicos] ou preste [serviços específicos] que caracterizem concorrência direta com o modelo de negócio da franquia”

Redação problemática: “É vedado ao ex-franqueado atuar em qualquer atividade no setor alimentício”

6. Proporcionalidade das sanções

Multas e penalidades por descumprimento devem respeitar a razoabilidade. O judiciário pode reduzir ou anular multas exorbitantes, considerando que a estipulação penal deve desestimular o descumprimento, não enriquecer ilicitamente o franqueador.

Limites constitucionais e jurisprudenciais da cláusula de barreira

Mesmo atendendo aos requisitos formais, a cláusula de barreira pode ser questionada se criar impedimento desproporcional ao direito constitucional de livre iniciativa do ex-franqueado.

O STJ aplica o princípio da razoabilidade: a cláusula não pode inviabilizar completamente a capacidade do franqueado de recomeçar atividades econômicas. Se a restrição for tão ampla que impeça o ex-franqueado de exercer qualquer atividade empresarial para a qual está qualificado, há violação ao princípio da livre iniciativa.

Casos em que a jurisprudência tende a invalidar a cláusula:

  • Restrição que abrange toda expertise profissional do franqueado, não apenas o know-how específico da franquia
  • Combinação de prazo longo + território amplo + objeto genérico
  • Ausência de contrapartida ou compensação ao franqueado pela restrição imposta
  • Cláusula redigida de forma unilateral, sem negociação prévia durante a contratação

Interpretação restritiva

Quando a cláusula de barreira apresenta ambiguidade, os tribunais aplicam interpretação restritiva, favorecendo o franqueado. Isso reforça a importância de redação precisa e clara.

Como departamentos jurídicos devem estruturar a cláusula de barreira

Para que a cláusula de barreira resista a questionamentos judiciais, departamentos jurídicos devem adotar as seguintes práticas:

Checklist de redação da cláusula de barreira:

  • Incluir a cláusula de barreira na COF com todos os termos (prazo, território, atividades vedadas)
  • Justificar expressamente no contrato qual know-how ou ativo específico está sendo protegido
  • Delimitar prazo razoável (recomendável: 2 a 5 anos) compatível com o tempo de proteção necessário
  • Especificar território limitado à área de atuação efetiva da franquia
  • Definir precisamente quais atividades configuram concorrência vedada
  • Estabelecer multa proporcional ao potencial dano, evitando valores exorbitantes
  • Documentar a negociação da cláusula durante as tratativas, demonstrando que não foi imposta unilateralmente
  • Revisar periodicamente a cláusula-padrão conforme evolução jurisprudencial

Modelo de estrutura para a cláusula

Cláusula X – Não Concorrência Pós-Contratual

“Pelo prazo de [X anos] contados do término deste contrato, por qualquer motivo, o FRANQUEADO se obriga a não:

a) Operar, direta ou indiretamente, estabelecimento que comercialize [especificar produtos/serviços] em modelo de negócio concorrente ao da FRANQUEADORA;

b) Participar, como sócio, administrador ou consultor, de empreendimento que explore [especificar atividade] utilizando know-how, processos ou metodologias similares aos desenvolvidos durante a vigência deste contrato;

c) Atender ou contactar, para fins comerciais concorrentes, clientes cadastrados na base de dados da franquia durante sua operação.

Delimitação territorial: A presente restrição aplica-se ao município de [especificar] e municípios limítrofes que compõem a área de influência comercial da unidade franqueada, conforme Anexo [X].

Finalidade: Esta cláusula visa proteger o know-how proprietário da FRANQUEADORA, incluindo [especificar: processos operacionais, relacionamento com fornecedores, metodologia de atendimento, etc.], cuja apropriação indevida causaria prejuízo direto ao sistema de franquia.

Penalidade: O descumprimento desta cláusula sujeita o FRANQUEADO ao pagamento de multa de [valor razoável], sem prejuízo de reparação por perdas e danos efetivamente comprovados.”

Perguntas frequentes

1. O que é cláusula de barreira em franquia?

É a disposição contratual que impede o ex-franqueado de exercer atividades concorrentes após o término do contrato de franquia, dentro de prazo e território delimitados.

2. Para que serve a cláusula de barreira?

Protege o franqueador contra apropriação indevida de know-how, processos operacionais, segredos comerciais e desvio de clientela desenvolvida durante a vigência da franquia.

3. Qual o prazo adequado para a cláusula de barreira?

Entre 2 e 5 anos após o término do contrato. Esse período permite proteger ativos intangíveis do franqueador sem inviabilizar a livre iniciativa do ex-franqueado.

Conclusão

A cláusula de barreira é instrumento legítimo e essencial para proteger o franqueador, mas sua validade depende de equilíbrio entre a proteção de ativos empresariais e o respeito aos direitos constitucionais do franqueado.

Para departamentos jurídicos empresariais, a mensagem é clara: cláusulas genéricas, excessivamente restritivas ou mal fundamentadas representam risco jurídico desnecessário. O caminho para proteção efetiva passa por redação técnica precisa, proporcionalidade nas restrições e transparência desde a fase pré-contratual.

A jurisprudência brasileira valida cláusulas de barreira quando elas são razoáveis, específicas e justificadas. Investir tempo na estruturação adequada dessa cláusula não é preciosismo jurídico — é gestão de risco contratual que pode definir a proteção real do negócio no pós-contrato.

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Tiago Fachini - Especialista em marketing jurídico

Mais de 300 mil ouvidas no JurisCast. Mais de 1.200 artigos publicados no blog Jurídico de Resultados. Especialista em Marketing Jurídico. Palestrante, professor e um apaixonado por um mundo jurídico cada vez mais inteligente e eficiente. Siga @tiagofachini no Youtube, Instagram e Linkedin.

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