Boas práticas: como falar de política na empresa

18/03/2016
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09/11/2022
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9 minutos

Para começar a discorrer sobre este tabu, nada melhor do que um pouco de contextualização etimológica. O termo política tem origem no grego politiká, uma derivação de polis, que designa aquilo que é público.

Interpretando um pouco, política não quer dizer sistema de governo, nem Estado, nem presidente, nem partidos políticos (embora estejam todos inseridos dentro dela, pelo menos no nosso modelo político, o presidencialismo), mas o modo como acontece a organização pública, como são orquestradas as atividades que atingem diretamente a sociedade.

Citar a Grécia logo no começo do conteúdo é importante, pois ela é um símbolo histórico da discussão política. Nos primeiros estados gregos, principalmente na cidade de Atenas, valorizava-se muito as ágoras, espaços edificados, onde as pessoas se reuniam para discutir assuntos ligados à vida da cidade.

Além disso, o país foi a primeira região no mundo a discutir a democracia, com dezenas de ensaios filosóficos e científicos a respeito, sendo A Política, de Aristóteles, o mais famoso destes textos.

De lá pra cá, continuamos a discutir política, é um dos principais assuntos do brasileiro, faz parte do seu dia a dia. Descobrimos, inclusive, que essa discussão é positiva e aperfeiçoa a democracia.

Ao contrário do ditado de que ‘política não se discute’, aprendemos e continuamos a aprender a importância de estarmos inseridos nela. Certas ou não, as recentes manifestações de junho de 2013 e a do dia 13 de março de 2016, o maior ato político da história do Brasil, nos revelam que há, no mínimo, um desejo de participação.

Geralmente o debate político em uma organização é desmotivado. A justificativa é novamente o ditado: “política não se discute, aqui não é lugar pra falar sobre isso”.

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Por isso, o intuito deste texto não é defender que o local de trabalho se transforme em uma casa política ou em um palanque, mas por tratar-se muitas vezes de um assunto inevitável e recorrente no dia a dia, o objetivo aqui é recomendar práticas para que ele possa fluir dentro da empresa de maneira apropriada. Principalmente quando tratamos de advogados, conhecedores e defensores da lei.

Diante do imbróglio que estamos vivendo, onde a interpretação constitucional se tornou peça chave para se formular uma opinião respaldada, é natural que advogados queiram discutir o tema. E pode ser profissionalmente positivo, quando contribui com o exercício da argumentação.

O momento certo de falar

No cafezinho ou na mesa de lado, é normal comentar sobre assuntos do dia a dia, entre eles algum tema refrente a política. Até aí tudo bem. Mas procure não transformar qualquer interação sua com os outros colegas em uma discussão política.

Recomenda-se que este tema seja evitado justamente porque ele é muito sensível. Não são todas as ocasiões, dentro do ambiente corporativo, em que discutir política é algo positivo.

Pense: ‘será que aqui é o lugar certo para expor minha opinião? Tem alguém que pensa diferente de mim que pode se sentir ofendido se eu falar isto com estas palavras?’

Não transforme sua presença profissional em um comício. Cuidado ao usar seu posicionamento político no momento de se aproximar das pessoas.

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Escolha conversar sobre isso com aquelas que você sabe que tem liberdade ou em algum momento em que percebe que o assunto está fluindo construtivamente.

Se isso não for feito com um mínimo de cuidado e empatia, você estará comprometendo relações. Antes de mais nada, lembre-se: ninguém necessariamente precisa saber da sua opinião sobre as coisas.

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O alvo são as ideias, não as pessoas

A discussão política é uma discussão de ideias. A consequência mais comum de falar de política de maneira inapropriada no trabalho é a negação do outro pela sua opinião que, na cabeça de alguns, está acima da pessoa como um todo, da sua história e sentimentos.

A empatia não pode sair de cena quando a política entra. Ela [a discussão política] precisa ser conduzida de maneira racional e emocionalmente inteligente.

Saiba que a outra pessoa, aquela que discorda politicamente de você, também está indignada com alguma coisa, também tem suas críticas e também é afetada sistematicamente pela política. Exatamente como você. E por isso ela merece o seu respeito. Em outra palavras, por esta perspectiva, ela está do seu lado. Evite o fogo amigo.

É normal que existam algumas ideias aderidas por um maior número de pessoas, mesmo dentro da organização. Isto, no entanto, não é motivo para menosprezar quem pensa diferente. Esta é uma atitude muito negativa e cruel. Pelo contrário, há aí uma oportunidade de engrandecer os dois pontos de vista, com uma troca honesta de ideias.

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A falácia do espantalho (e outras)

O direito, a psicologia, a filosofia, as ciências políticas e outras disciplinas têm as falácias lógicas como objeto de estudo, ou seja, um raciocínio errado com aparência de verdadeiro.

Uma das mais conhecidas é a falácia do espantalho, que consiste em exagerar, modificar ou simplesmente inventar um argumento de outra pessoa, tornando assim mais suscetível a um contraponto.

Isto acontece no mesmo limiar da fofoca, muito nocivo ao ambiente de trabalho, pois é uma espécie de manipulação do outro e forma de influenciar a opinião alheia negativamente.

É muito importante evitar este tipo de comportamento, pois uma simples conversa pode se transformar em uma verdadeira guerra, e levar alguém a cometer outra falácia lógica: o ad hominem, que tem muito a ver com o primeiro tópico abordado neste texto (o alvo são as ideias, não as pessoas). No ad hominem, a argumentação é deixada de lado e o que é atacado é o caráter ou os traços pessoais.

Ainda há outras falácias, como o tu quoque, onde alguém responde críticas com críticas como um mecanismo de defesa. Na tradução do latim, tu quoque é ‘você também’.

Ad populum é outra falácia muito conhecida, onde apela-se para a popularidade de um fato para legitimá-lo. Se muitas pessoas acreditam/concordam com aquilo, então teoricamente seria uma verdade. Será?

Para consultar outras falácias, acesse o Book of Bad Arguments. Tente evitá-las a todo custo em qualquer discussão de opiniões.

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Ironia é um problema

David Foster Wallace, um dos maiores escritores contemporâneos americanos e autor do calhamaço Graça Infinita e do ensaio Isto é Agua dizia: a ironia nos tiraniza.

Isso faz muito sentido quando duas pessoas na empresa resolvem expor suas opiniões sobre um assunto. A ironia é uma péssima ferramenta para conversas sensíveis como a conversa política. Neste contexto, ela pode ser encarada como deboche ou menosprezo à outra opinião.

Diante de uma audiência, por exemplo, ser irônico não é algo bem encarado pelo júri. Por um único motivo: discute-se, em um processo, algo sério, portanto deve ser seriamente explanado. “Fulano, meu ponto é esse”, “Ah, seu ponto é esse? Quem diria, hein!”.

Qualquer modulação do tom pode ser uma afronta, pois do outro lado pode haver alguém sinceramente interessado. E quando a ironia passa ao outro, não existe mais diálogo, apenas improdutividade e aborrecimento. Então cairemos, mais uma vez, em ad hominem.

Construir ao invés de destruir

Se fôssemos sintetizar todas as sugestões deste texto, ao invés de abordarmos uma a uma, seria: seja honesto. Apenas sendo justo com os seus argumentos e limites e com os argumentos e limites do outro, um debate se torna produtivo e, mais que isso, construtivo.

Voltaire, um grande ensaísta político, disse “Para que discutir com os homens que não se rendem às verdades mais evidentes?”.

Falar de política deveria ser sinônimo de construir um conhecimento mútuo sobre um assunto, através de fatos e raciocínios plausíveis. Você tem se posicionado dessa forma quando discute política com seus colegas de trabalho?

Além disso, que tal entrar em uma conversa política com o objetivo de encontrar uma solução para o que está sendo discutido? Um argumento positivo, que defenda seu ponto de vista e que, claro, não agrida negativamente o ponto de vista do outro. Afinal, ninguém precisa ganhar.

Ninguém precisa ganhar

Discutir política não é uma competição. É, antes de tudo, uma troca. Se você não tem mais nada a acrescentar diante de um assunto, não tenha medo ou vergonha de esperar pacientemente o outro explanar a opinião dele até o fim e depois disso se retirar e agradecer a conversa.

Na sua empresa, quantas vezes você lembra de ter participado de discussões prolongadas, onde nada mais existia de substancial e apenas o ego permanecia?

Falar por último não significa ter as melhores ideias, assim como usar senso comum e ironia não são as melhores formas de terminar uma discussão política. Afinal, se a ironia é o que resta no fim de uma conversa proposta a ser produtiva, não houve empatia.

Elevar a voz e tentar monopolizar a conversa, não dando espaço para o outro falar, também são negativos, além de não te levar a lugar nenhum e não fazer você ser visto como mais inteligente ou articulado.

E por mais que as evidências mostrem que você está com a razão diante de um assunto, não cobre do outro que admita isso, incomoda e parece pedante. Respeitar o espaço do outro, acima de tudo.

Leia mais (e melhor)

Parece fácil, mas se este ponto estivesse resolvido, não precisaríamos falar sobre todos os outros acima. Uma má discussão política, ou seja, aquela que é improdutiva, agressiva e movida a ataques pessoais, se configura na maioria das vezes a partir de falta de argumentos de colisão.

Existem inúmeros veículos de comunicação e blogs de inúmeras esferas políticas onde é possível consultar diferentes pontos de vista.

No livro O filtro invisível: O que a internet está escondendo de você, Eli Parise nos mostra que as redes sociais selecionam o conteúdo que acham mais relevante para nós a partir dos conteúdos com os quais já nos relacionamos.

Ou seja, há uma chance muito pequena das redes sociais nos servirem outros pontos de vista contrários aos quais já estamos acostumados. Por isso é sempre importante consultar, investigar e, como a internet sempre propôs, navegar.

Recorre-se à integridade do outro ao invés das suas ideias porque falta leitura, criam-se cercos diante de algumas pessoas pela falta de autocrítica. A maior e melhor discussão política nasce aí, a partir da desconstrução de si mesmo e das próprias ideias.

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