Justiça gratuita e honorários periciais na Justiça do Trabalho

16/04/2019
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27/09/2022
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A Constituição Federal de 1988 elenca uma diversidade de direitos e garantias fundamentais. Entre elas, a disposição sobre o direito de acesso à justiça conforme determina o art. 5º, LXXIV. Segundo o dispositivo, “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Ou seja, garante o acesso de todos, inclusive com a concessão de benefícios como o de assistência jurídica e de justiça gratuita.

O acesso à justiça como garantia constitucional e direito fundamental de todo cidadão, não pode, de forma alguma ser alheio às necessidades sociais. Na realidade, há de se considerar as circunstâncias sociais e específicas de cada qual, a fim de que sejam preservados os direitos de todos.

É por essa razão que o direito de ingressar no judiciário não pode restar obstado em razão de desigualdades econômicas e sociais, ou em virtude de quaisquer outras circunstâncias. De fato, essencialmente, o direito efetivo de acesso à justiça a todos deve ser resguardado de maneira eficaz, sem exceção.

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Benefício da justiça gratuita

Neste sentido, compreende-se que o benefício da justiça gratuita será concedido àqueles que são abrangidos como necessitados nos termos da Lei 1.060/50. Confere-se, ainda, em seu artigo 9º, que os benefícios da assistência judiciária gratuita compreenderão todos os atos processuais até o final do processo, em todas as instâncias.

A partir desta premissa, portanto, é possível considerar que negar acesso à justiça ao cidadão é o mesmo que negar-lhe o próprio direito. Isto porque, de fato, se inalcançável a jurisdição aos economicamente necessitados, é o mesmo que limitar direitos e garantias inerentes a todos, os quais são asseverados na Constituição.

É importante lembrar que a gratuidade da justiça deve ser conferida a todos que, independentemente da renda, não tiverem condições de arcar com as despesas processuais. É uma análise que deverá ser feita em concreto, caso contrário haverá contradição à promessa constitucional de assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CF) e violação ao Acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF).

Justiça gratuita na Direito Trabalhista

No que se refere à Justiça do Trabalho, esta possui o encargo de dirimir os conflitos no âmbito trabalhista. Ao reclamante (empregado), como é chamado o autor da demanda trabalhista, nos casos em que figura como detentor de direitos litigando contra seu ex-empregador, é concedido o benefício da justiça gratuita nos termos do artigo 790, § 4º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Conforme a redação atual do §3º do artigo 790 da CLT, é facultado aos juízes, órgãos julgadores e Presidentes dos Tribunais, concederem o benefício da justiça gratuita, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios da Previdência Social. Por outro lado, a redação antiga do mesmo parágrafo deixava expressa que seria concedido o benefício da justiça gratuita àqueles que declarassem, sob as penas da lei, que não possuíam condições de pagar as custas e despesas do processo.

Honorários periciais e justiça gratuita na Reforma Trabalhista

O primeiro aspecto relevante do §4º do referido artigo, é que a Reforma Trabalhista trouxe a possibilidade de o benefício da justiça gratuita ser concedido a qualquer uma das partes litigantes no processo, reclamante ou reclamado, desde que comprovada à insuficiência de recursos para o pagamento das custas processuais e honorários.

Ressalta-se que a CLT após a reforma, limitou a gratuidade da justiça àqueles que comprovadamente demonstrarem necessidade ao benefício. Contrariou totalmente, assim, a antiga ideia trazida pelo artigo 4º da Lei nº 1.060/50, já revogado pela Lei nº. 13.105/2015. Este dispunha, então, no sentido de que a simples declaração de pobreza feita pela parte era suficiente para a concessão do benefício sob a ótica da presunção da condição de miserabilidade.

É possível afirmar que, atualmente, mesmo ao reclamante, ora empregado, só serão concedidos os benefícios da justiça gratuita quando comprovada a insuficiência de recursos financeiros para o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. E poderá, então, o aludido benefício ser revogado a qualquer momento quando houver alteração na situação econômica do privilegiado.

Honorários periciais na CLT

Acerca dos honorários periciais, os quais são suportados pela parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, estes consistem no pagamento de quantia determinada, a qual é fixada pelo juízo da ação como forma de remuneração ao trabalho do Sr. Perito que realizou a perícia.

O conhecimento de qual das partes sucumbiu na pretensão da perícia se dá com a entrega do laudo ou dos esclarecimentos, se houver, cabendo ao Juiz arbitrar os honorários periciais tendo como base a complexidade dos trabalhos, grau de zelo do profissional, tempo e esforço despendido na elaboração do laudo podendo, inclusive, majorá-los se houver reiteradas manifestações e consequentes esclarecimentos do perito.

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Anteriormente à vigência da Reforma Trabalhista, o artigo 790-B da CLT dispunha no sentido de que os honorários periciais seriam suportados pela parte sucumbente no objeto pretendido com a perícia. Contudo, previa exceção para quando beneficiária da justiça gratuita.

Reforma trabalhista e isenção de pagamento

Ou seja, até 10 de novembro de 2017, véspera de entrada em vigor da Reforma Trabalhista, nos casos em que o reclamante era beneficiário da justiça gratuita, mesmo que perdedor no pedido que culminou a perícia realizada, era isento do pagamento. Ficava, portanto, a União responsável pelos honorários do perito.

Via de regra, na Justiça do Trabalho, o reclamante é beneficiário da justiça gratuita em razão da situação desprivilegiada e hipossuficiente, não podendo arcar com as custas e honorários do processo sem prejuízo do seu sustento e de sua família.

Até então, o simples fato de o trabalhador estar assistido pelo benefício da gratuidade da justiça já lhe resguardava o direito de isenção ao pagamento de honorários periciais, os quais, em caso de sucumbência, eram suportados pela União (Súmula 463 do TST).

Percebe-se que a regra contida no art. 790-B da CLT antes da alteração feita pela Reforma Trabalhista estava em total conformidade com a garantia constitucional de livre acesso à justiça prevista na constituição Federal e com o disposto no art. 9º da Lei nº 1.060/50 que prevê que os benefícios da justiça gratuita compreendem todos os atos processuais do processo até seu término, inclusive em instâncias superiores.

Justiça gratuita e o excesso de demandas na Justiça do Trabalho

Muitos defendem a ideia de que a facilidade de acesso à justiça gratuita, em especial na Justiça do Trabalho aos reclamantes, desencadeou, durante muito tempo, ações temerárias e injustificadas, apenas com o escopo de auferir algum ganho financeiro, sendo que ao reclamante, mesmo que perdedor da demanda, não lhe era imputada nenhuma responsabilidade ou prejuízo pecuniário.

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Em resumo, quem defende a tese mencionada, argumenta que o seguinte problema. Defende, assim, que uma das causas do excesso de ações na esfera trabalhista é a falta de onerosidade para se ingressar com uma demanda. A ausência de sucumbência, somada ao grande número de pedidos de justiça gratuita, seria, portanto, um forte estímulo ao ajuizamento de ações na Justiça do Trabalho.

É necessário atentar-se, contudo, ao fato de que uma lei superveniente à Constituição não pode afrontar princípios e garantias fundamentais ou disposição constitucional. Ademais, tanto no CPC/2015 e agora na própria CLT, após a Reforma Trabalhista, existem meios hábeis para punição das partes que se utilizam do processo para obterem vantagens ilícitas. A denominada condenação por litigância de má-fé está prevista no art. 81 do Novo CPC e, de forma semelhante, no art. 793-C da CLT.

Percebe-se, assim, que ambos os artigos acima mencionados elencam as possibilidades de condenação por litigância de má-fé para àqueles que, de forma ilícita, utilizam-se do processo legal para auferir vantagem indevida. Não pode o legislador, desse modo, limitar o acesso à justiça como intuito de diminuir os riscos dessa atividade ilegal. Dessa maneira, estaria ferindo princípios e garantias constitucionais.

Responsabilidade sobre os honorários periciais

Da análise em questão, conclui-se que a antiga redação do art. 790-B da CLT ia ao encontro do disposto e garantido pela Constituição Federal e pela Lei nº 1.060/50. Enquanto isso, uma vez garantido ao hipossuficiente o benefício da justiça gratuita, este é dispensado do pagamento de custas processuais e honorários advocatícios e periciais. E o Estado torna-se, dessa forma, responsável pelo pagamento das referidas despesas.

O parágrafo quarto do art. 790-A da CLT deixa evidente que se o beneficiário da gratuidade judiciária alcançar êxito na demanda, mesmo que parcial, irá arcar com esses créditos às despesas processuais. Pergunta-se então, será que é realmente efetivo o benefício deferido à parte? Arrisco-me a dizer que não. Ao menos, não no caso de uma interpretação literal do dispositivo mencionado.

Pode-se afirmar que a aprovação da Reforma Trabalhista oferece óbices à concessão de justiça gratuita. Não é mais ela desvinculada de quaisquer condições, então. Do mesmo modo, em razão do fator determinante que é a cobrança dos honorários nos débitos recebidos naquele ou em outro processo, pelo período de até dois anos.

Em análise à legislação advinda com a reforma trabalhista, no que se refere aos honorários periciais, portanto, entende-se que o benefício da justiça gratuita não abrangerá determinado pedido, uma vez que a parte sucumbente no objeto de perícia é responsável pelo pagamento dos honorários periciais, ainda que beneficiária da justiça gratuita.

Súmula do TST

Aludida interpretação, todavia, contraria o entendimento do TST. O tribunal entende, assim, que, na Justiça do Trabalho, os honorários periciais são pagos somente ao final da ação. E devem ser pagos, desse modo, pela parte sucumbente (perdedora), nos termos do art. 790, alínea “b”, da CLT, salvo se esta for beneficiária da justiça gratuita, nos termos da OJ 387 SDI-1. A referida orientação jurisprudencial foi convertida, então, na Súmula 457, ainda em vigor, que, dispõe nos seguintes termos:

SÚMULA Nº 457. HONORÁRIOS PERICIAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO PELO PAGAMENTO. RESOLUÇÃO Nº 66/2010 DO CSJT. OBSERVÂNCIA. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 387 da SBDI-1 com nova redação).

A União, contudo, é responsável pelo pagamento dos honorários de perito quando a parte sucumbente no objeto da perícia for beneficiária da assistência judiciária gratuita. Observa-se, assim, o procedimento disposto nos arts. 1º, 2º e 5º da Resolução n.º 66/2010 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT.

Quanto à parte final do § 3º do art. 790 da CLT, não é possível enxergar nenhuma justificativa para o legislador processual trabalhista negar a abrangência dos honorários periciais pela gratuidade da justiça, quando o próprio Código de Processo Civil, usado subsidiariamente na justiça do trabalho, expressamente garante esse alcance (art. 98 do CPC).

Por fim, frente a tantas mudanças significativas nos dispositivos que regulamentam o benefício da justiça gratuita no âmbito trabalhista e, consequentemente, regulam as normas relativas ao pagamento das despesas processuais, incluindo os honorários advocatícios e periciais, conclui-se que a Reforma Trabalhista trouxe, em regra, muitas dúvidas e incertezas. E muitas delas envolvendo os trabalhadores, em virtude do receio acerca da supressão de direitos dos obreiros.

Referências

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  5. HABIB, Wadih. CLT – De acordo com a Lei nº. 13.467/2017.
  6. MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo (Curso do processo civil; v. 1). 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
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  11. NERY JUNIOR, Nelson; MARIA ANDRADE NERY, Rosa. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor: atualizado até 22.01.2001. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
  12. SCHIAVI, Mauro, Manual de Direito Processual do Trabalho – 2ª ed. – São Paulo: LTR, 2009.
  13. SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: aspectos processuais da Lei n. 13.467/17. — 1. ed. — São Paulo: LTr Editora, 2017, p. 85.

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