A gestão de contratos corporativos enfrenta desafios estruturais que vão além da revisão técnica de cláusulas. São pain points operacionais que consomem recursos, multiplicam riscos e impedem que departamentos jurídicos atuem estrategicamente.
Segundo a AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), 94% das empresas brasileiras com departamentos jurídicos já utilizam ferramentas de gestão contratual, mas digitalização básica não resolve problemas de processo.
Este guia identifica os dez principais pain points na gestão de contratos e apresenta soluções práticas que combinam otimização de processos com tecnologias CLM (Contract Lifecycle Management).
O que são pain points na gestão de contratos?
Pain point é uma expressão em inglês que significa literalmente “ponto de dor” – um problema recorrente que causa incômodo, prejuízo ou dificuldade constante em determinado processo. Em português, podemos traduzir como gargalo crítico, disfunção estrutural ou problema sistêmico.
A diferença fundamental entre um problema pontual e um pain point é a recorrência e a causa estrutural. Um contrato específico que se perdeu é um problema pontual – resolve-se localizando o documento e pronto. Já quando contratos desaparecem constantemente porque não existe repositório central, isso é um pain point: a disfunção se repete porque há uma falha no processo, não apenas um descuido isolado.
Na gestão de contratos corporativos, pain points são aquelas disfunções que todo departamento jurídico enfrenta repetidamente, mas que muitas vezes são tratadas como “normal” ou “parte do trabalho”.
Pain point #1: Fragmentação documental
Contratos dispersos por e-mails, pastas de rede, drives pessoais, ERPs e arquivos físicos criam o pain point mais custoso. Essa fragmentação gera perda institucional de conhecimento quando colaboradores deixam a empresa, impossibilita auditorias efetivas e multiplica riscos de compliance. O problema é estrutural: quando cada departamento mantém contratos sob sua custódia sem integração, a empresa opera com múltiplas “verdades” sobre sua base contratual.
A descoberta tardia é a consequência mais grave desse pain point. Contratos esquecidos só emergem quando já materializaram prejuízo, como um fornecedor cobrando há meses por serviços não utilizados, uma cláusula de garantia que expirou silenciosamente, uma obrigação descumprida que resulta em penalidade.
Como resolver: estabeleça repositório central único e obrigatório com taxonomia padronizada de metadados (tipo, contraparte, datas, valor, departamento, status, risco). Plataformas CLM centralizam o ciclo contratual em nuvem com OCR para digitalização de contratos legados, extração automática de metadados via IA e busca semântica que compreende intenção. Controle de acesso granular garante conformidade com LGPD, enquanto trilhas de auditoria registram cada interação.
Pain point #2: Perda de prazos contratuais
Controle manual de datas críticas (vencimentos, renovações, entregas, marcos regulatórios) representa vulnerabilidade operacional recorrente. Este pain point não decorre de negligência, mas de sobrecarga cognitiva. Um jurídico com 500 contratos ativos, cada um contendo média de oito datas críticas, precisa monitorar 4.000 prazos simultaneamente – tarefa humanamente insustentável sem automação.
As consequências são mensuráveis: serviços interrompidos por vencimentos não gerenciados, multas por descumprimento de obrigações, oportunidades perdidas de renegociação e renovações automáticas indesejadas por falta de aviso prévio na janela contratual. O problema se intensifica quando janelas de ação são curtas – contratos frequentemente exigem notificação com 60 ou 90 dias de antecedência, período que evapora considerando tempo para análise interna, avaliação de alternativas e aprovações.
Como resolver
Implemente alertas escalonados calibrados por valor e criticidade – 120+ dias para contratos estratégicos, 90 dias para médio risco, 30-60 dias para rotineiros. Sistemas CLM automatizam extração de datas do texto via IA, identificando não apenas datas explícitas mas também prazos relativos (“30 dias após aprovação”) e calculando automaticamente datas absolutas. Alertas multicanal via e-mail, Slack, Teams e calendários corporativos garantem notificação independente do canal utilizado.
Dashboards em tempo real mostram portfólio completo com filtros por vencimento, status, valor e risco.
Pain point #3: Renovações automáticas não avaliadas
Cláusulas de renovação automática (evergreen clauses) constituem armadilha financeira estrutural. Contratos renovam-se por períodos adicionais a menos que uma parte notifique intenção contrária dentro de janela específica — tipicamente 30, 60 ou 90 dias antes do vencimento. Este pain point é agravado por assimetria informacional: fornecedores mantêm controle rigoroso sobre renovações de sua base de clientes, enquanto clientes com centenas de contratos não conseguem manter mesma vigilância sem sistemas automatizados.
Renovações involuntárias prendem a empresa a termos comerciais desatualizados, criam gastos não planejados que comprometem orçamentos, estendem relacionamentos com fornecedores cuja performance deteriorou-se e impedem realocação de recursos para alternativas mais estratégicas.
Como resolver
Mapeie proativamente todos os contratos com cláusulas evergreen e estabeleça framework de decisão estruturado para cada renovação que se aproxima — renovar se desempenho é satisfatório, renegociar termos específicos, conduzir processo competitivo (rebid) ou terminar e substituir fornecedor.
Conduza avaliação formal de desempenho antes de decisões, baseando-se em métricas documentadas de cumprimento de SLAs, qualidade e custo-benefício versus alternativas. Plataformas CLM utilizam IA para identificar automaticamente cláusulas evergreen via processamento de linguagem natural, iniciando campanhas automatizadas de alerta 120 dias antes da janela de cancelamento.
Pain point #4: Controle inadequado de versões
Ausência de controle rigoroso de versões cria risco jurídico significativo. Quando múltiplas versões do mesmo contrato circulam sem rastreabilidade, organizações arriscam executar versões incorretas — vinculando-se a termos que nunca pretenderam aceitar ou perdendo proteções negociadas. Este pain point manifesta-se em negociações complexas com múltiplas rodadas de revisão, diversas partes e alterações propostas por diferentes stakeholders internos.
Tribunais examinam históricos documentais em litígios. Organizações sem controle adequado ficam vulneráveis quando precisam provar qual linguagem foi acordada ou se determinada cláusula estava na versão efetivamente assinada. As consequências práticas incluem colaboradores trabalhando em versões divergentes sem perceber, impossibilidade de rastrear quem fez determinada alteração e quando, e consolidação final que se torna exercício manual propenso a erros.
Como resolver
Estabeleça princípio de “fonte única da verdade” onde todas as revisões ocorrem no documento mestre centralizado, com controle de alterações obrigatório que identifique precisamente mudanças.
Sistemas CLM oferecem versionamento automático sofisticado – cada alteração cria nova versão numerada sequencialmente, com histórico completo acessível para comparação. Metadados mostram autor das alterações, timestamp e comentários explicando razões. Edição colaborativa em tempo real garante que todas as partes trabalhem simultaneamente no mesmo documento, com alterações instantaneamente visíveis e conflitos impossíveis.
Pain point #5: Falta de padronização contratual
Sem templates validados e bibliotecas de cláusulas, cada contrato é elaborado como exercício único, multiplicando trabalho e risco. Este pain point cria inconsistência institucional — contratos omitem cláusulas essenciais de proteção (limitações de responsabilidade, indenizações, propriedade intelectual, confidencialidade) ou contêm posições negociais que variam contraditoriamente entre acordos similares.
Diferentes departamentos frequentemente desenvolvem modelos próprios ao longo do tempo, atualizados informalmente sem validação central, criando babel contratual sem linguagem institucional consistente. O problema de “rogue contracting” — unidades de negócio criando contratos fora de processos formais — é particularmente prevalente quando não há templates acessíveis e processos claros.
Como resolver
Desenvolva biblioteca estruturada de templates para tipos recorrentes com cláusulas padrão validadas incorporando melhores práticas. Revise templates periodicamente, no mínimo anualmente e sempre que mudanças regulatórias significativas ocorram — LGPD, por exemplo, exigiu atualização massiva para incluir cláusulas de proteção de dados. Soluções de automação de documentos permitem templates únicos com campos variáveis preenchidos conforme contexto, onde usuários completam wizard intuitivo e o sistema gera contrato automaticamente a partir do modelo oficial. IA sugere cláusulas baseada no tipo identificado, enquanto detecção automática de desvios flaga linguagem não-padrão para revisão obrigatória.
Pain point #6: Processos manuais ineficientes
Dependência de trabalho manual (aprovações via e-mail, coleta de assinaturas físicas, preenchimento manual de planilhas) gera ineficiências que comprometem velocidade e qualidade. Este pain point não é apenas tempo consumido, mas multiplicação de pontos de falha: e-mails perdidos em caixas saturadas, versões desatualizadas enviadas por engano, dados digitados incorretamente em planilhas, documentos físicos extraviados.
Processos baseados em e-mail são particularmente problemáticos. Cadeias de aprovação sequencial via e-mail criam latências enormes — cada aprovador recebe solicitação somente após anterior ter concluído, sem mecanismo confiável para rastreamento ou escalação. Coleta de assinaturas físicas transforma fechamento de contratos em extenso processo logístico. Essa dependência desvia foco de equipes do estratégico para o administrativo, com advogados perseguindo assinaturas em vez de analisar riscos.
Como resolver
Mapeie todas as etapas do ciclo contratual e elimine passos redundantes, identificando onde aprovações podem ocorrer em paralelo versus sequencialmente. Estabeleça thresholds de autoridade que permitam auto-aprovação para contratos de baixo risco abaixo de valores determinados. Assinatura eletrônica via DocuSign elimina dependência de documentos físicos — contratos são enviados digitalmente para múltiplos signatários simultaneamente, com sistema rastreando em tempo real quem já assinou e enviando lembretes automatizados. Workflows automatizados roteiam contratos conforme regras predefinidas baseadas em tipo, valor e atributos específicos.
Pain point #7: Monitoramento pós-assinatura deficiente
O trabalho com contratos não termina na assinatura, mas muitas organizações tratam execução como se terminasse. Este pain point cria postura reativa onde problemas só são descobertos quando já materializaram prejuízo. Um departamento jurídico de médio porte pode ter 500+ contratos ativos simultaneamente, cada um contendo múltiplas obrigações — entregas, marcos, pagamentos, requisitos de compliance, renovações, auditorias.
As consequências são mensuráveis: fornecedores que não cumprem SLAs mas continuam recebendo pagamento integral porque ninguém rastreou performance, oportunidades de reajuste perdidas porque data passou despercebida, serviços pagos mas subutilizados que nunca são questionados, obrigações de auditoria descobertas apenas quando auditor externo solicita evidências.
Como resolver
Atribua formalmente “contract owner” para cada acordo estratégico e crie calendário de revisões periódicas, trimestral para contratos críticos, semestral para importantes, anual para baixa complexidade. Estabeleça KPIs claros compartilhados com áreas operacionais responsáveis pela execução. Dashboards especializados consolidam obrigações em visualizações acionáveis, permitindo ver rapidamente quais contratos têm obrigações vencendo, quais fornecedores estão abaixo de SLAs e quais representam maior exposição. Extração automática de obrigações via IA identifica compromissos relevantes e cria automaticamente lembretes vinculados.
Pain point #8: Riscos de compliance e segurança
Contratos lidam com obrigações legais complexas e dados sensíveis — falhas geram consequências severas. Este pain point duplo de compliance e segurança cria exposições regulatórias e informacionais. O ambiente regulatório evolui continuamente, e contratos elaborados há anos podem conter cláusulas desatualizadas ou omitir provisões obrigatórias.
Para empresas brasileiras, LGPD introduziu complexidade significativa. Contratos processando dados pessoais devem incluir cláusulas específicas de proteção, definir papéis de controlador e operador, estabelecer obrigações de segurança. Organizações sem governança podem ter dezenas de contratos pré-LGPD nunca adequados, criando exposição não gerenciada. Contratos também contêm informações estrategicamente sensíveis — estruturas de preços, descontos negociados, planos de expansão, dados pessoais de executivos. Armazenamento inadequado multiplica risco de vazamento.
Como resolver
Envolva sistematicamente compliance e jurídico na elaboração de templates, garantindo que cláusulas obrigatórias estejam sempre presentes. Estabeleça checklists de compliance para diferentes tipos de contrato e implemente auditorias periódicas focadas em conformidade regulatória.
Plataformas CLM oferecem armazenamento seguro com múltiplas camadas de proteção, criptografia em trânsito e repouso, controle de acesso granular, autenticação multifator. Trilhas de auditoria imutáveis registram cada interação, satisfazendo requisitos de rastreabilidade da LGPD. Sistemas mantêm templates automaticamente atualizados com mudanças regulatórias.
Pain point #9: Falta de visibilidade estratégica
Sem dados consolidados, métricas estruturadas e capacidades analíticas, organizações não conseguem transformar contratos de obrigações burocráticas em ativos estratégicos. Este pain point impede decisões informadas e desperdiça oportunidades de otimização. Gestores não conseguem responder perguntas fundamentais sobre seu próprio portfólio: qual valor total sob contrato, quantos vencem nos próximos 90 dias, quais fornecedores concentram maior exposição, quais cláusulas são mais negociadas, onde estão gargalos no processo.
Essa invisibilidade tem consequências estratégicas. Oportunidades de consolidação de fornecedores não são identificadas porque ninguém tem visão agregada de gastos. Padrões problemáticos em cláusulas passam despercebidos porque não há análise sistemática. Ineficiências processuais persistem porque não há métricas que as evidenciem objetivamente. Departamentos jurídicos sem indicadores acham difícil demonstrar produtividade ou justificar necessidades de recursos.
Como resolver
Defina KPIs para acompanhar eficiência contratual, tempo médio de aprovação, percentual de contratos expirados sem renovação, valor total de obrigações futuras, número por área, taxa de cumprimento de SLAs. Gere relatórios periódicos (mensais/trimestrais) com esses indicadores para discussão em gestão.
Recursos de Business Intelligence integrados a plataformas CLM oferecem dashboards customizáveis onde é possível visualizar contratos ativos, vencidos ou em negociação em tempo real. Analytics contratuais identificam padrões, fornecedores que concentram maior valor, cláusulas mais frequentemente negociadas, gargalos em processos de aprovação.
Conclusão
Pain points na gestão de contratos não são inevitáveis, são problemas com soluções conhecidas e implementáveis. O desafio não é mais justificar a necessidade de transformação, mas executá-la com disciplina. A gestão contratual deixa de ser vista como centro de custo burocrático e passa a ser reconhecida como função estratégica que protege a empresa, habilita negócios e gera valor mensurável.
A transformação começa com uma pergunta simples: qual pain point está causando maior dor em sua operação jurídica hoje? A resposta define o primeiro passo rumo a uma gestão contratual que suporta, em vez de atrasar, os objetivos estratégicos do negócio.
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