Prisão em segunda instância e o trânsito em julgado da sentença penal

04/12/2019
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23/06/2023
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8 minutos

A prisão em segunda instância não é de agora um tema polêmico. Há muito a temática é discutida no meio jurídico, entre a eficácia da execução da sentença penal e a necessidade do trânsito em julgado em última instância. Afinal, é ou não constitucional? Pode uma sentença ser executada antes do último grau recursal, sob o risco de ferir o direito de defesa e o princípio segundo o qual ninguém será punido sem o devido processo legal?

O STF decidiu recentemente sobre o tema, decisão que ganhou repercussão pelo envolvimento no processo contra o ex-presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva. Contudo, como será analisado, esta não é a primeira vez em que o tema é discutido.

Desde 2009 a temática é objeto de diálogos e opiniões contraditórias na sociedade jurídica. Em 2011, a redação do art. 283 do CPP foi modificada para incluir o trânsito em julgado. Desse modo, estava em consonância à garantia do art. 5º, CF. Em 2016, contudo, também em consonância a julgamentos anteriores, o STF decidiu pela executabilidade provisória da sentença penal, ainda que pendente recurso. E em 2019, por fim, voltou atrás no julgamento para declarar a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal.

É importante observar que diversos institutos positivados foram envolvidos nessas discussões, entre compatibilidades e incompatibilidades. Essa divergência não é algo incomum no ordenamento jurídico. E como se observará, a problemática ainda permanecerá com uma nova Proposta de Emenda Constitucional.

Por essa razão, analisam-se os principais temas englobados na polêmica da prisão em segunda instância!

Navegue por este conteúdo:

1. O que é a prisão em segunda instância?

Existem 5 formas de prisão processual, como pontua o autor Guilherme Nucci [1]:

  1. em flagrante;
  2. temporária;
  3. preventiva;
  4. por pronúncia; e
  5. por sentença penal condenatória transitada em julgado.

A prisão em segunda instância, portanto, é a prisão por sentença penal condenatória proferida em segundo grau recursal . Contudo, nem sempre essa espécie de prisão processual ocorre após o trânsito em julgado, ainda que esta seja a redação do art. 283 do CPP. Quando se fala em prisão em segunda instância, pode-se falar de uma prisão decretada após a sentença penal, embora ainda seja passível de recurso, como nos casos de julgamento pendente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo o autor [2]:

Não há mais previsão de prisão, aparentemente, por sentença condenatória recorrível. O que pode acontecer é que a condenação venha a ensejar um caso de decreto de preventiva que poderá vigorar até o trânsito em julgado da sentença. Não está correta, portanto, a Lei ao colocar dentro do Código de Processo Penal e no sistema cautelar a prisão decorrente de sentença transitada em julgado, eis que esta, sendo pena, seguirá o regime nela estabelecido segundo regras de Direito material. Somente a sua efetivação (forma do mandado, deprecação, comunicações etc.) é que segue as mesmas regras.

O que Nucci critica, enfim, é que a prisão após o trânsito em julgado não seria uma prisão processual e não teria natureza cautelar – para garantia do processo. Seria uma prisão pena, porque já findado o processo de julgamento.

2. Art. 283 do CPP e a necessidade do trânsito em julgado da sentença penal condenatória

Para melhor análise, então, é necessária a leitura do dispositivo do Código de Processo Penal. O art. 283 do CPP, portanto, estabelece que:

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

§ 1º  As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.

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§ 2º  A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.

O trânsito em julgado, assim, fica evidente no caput do dispositivo. Como Nucci bem pontua, o processo penal é uma ação intermediária entre a pretensão punitiva do Estado e o direito de liberdade do indivíduo, interligadas pela prática de uma conduta, eventualmente, condenável. Por essa razão, estabelecem-se garantias a ambas as partes, mas, acima de tudo, prerrogativas à restrição da liberdade do indivíduo, para a qual devem ser preenchidos requisitos legais.

É importante ressaltar, contudo, que essa previsão data de 2011. Até então, o art. 283 do CPP previa apenas que a prisão poderia “ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”, sendo, então, modificado pela Lei 12.403/2011.

4. Prisão em segunda instância e princípios constitucionais

Os incisos LIV e LVII do art. 5º da Constituição Federal dispõem que:

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

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Observa-se, assim, que fica assegurado, constitucionalmente, o direito ao devido processo legal e o direito de liberdade até a condenação decretada por sentença penal condenatória transitada em julgado ao fim desse processo penal. Dessa maneira, impera a presunção de inocência até a condenação do réu por sentença definitiva transitada em julgado.

Como fica, no entanto, a prisão em segunda instância, considerando que, não apenas a parte condenada ainda possui direito a seguir em diante com o devido processo legal e que a sentença penal pode não ter transitado em julgado? Ressalva-se, claro, as hipóteses de prisões processuais de natureza cautelar, as quais, como já observado, são possíveis, mas dentro do preenchimento dos requisitos legais.

Por fim, cabe mencionar que os direitos e garantias individuais são considerados cláusula pétrea conforme o art. 60, § 4º, da Constituição Federal.

5. Julgamento do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância

No início de novembro de 2019, o STF julgou em conjunto as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43,44 e 54. Embora a votação tenha sido acirrada, votou-se, enfim, pela constitucionalidade do art. 283 do CPP.

Antes disso, em 2016, o plenário do Supremo havia decidido, em ação de Habeas Corpus (HC 126.292/SP), que a execução provisória da sentença penal não infringia o disposto no art. 5º da Constituição Federal. Na ocasião, a parte embargante não teria atacado a culpabilidade, mas tão somente o argumento de presunção de inocência após a prisão em segunda instância. Desse modo, o tribunal considerou que a matéria da culpabilidade estaria decidida, o que não implicaria em violação à presunção de inocência.

Como se observa, o recente julgamento acaba por contrariar a decisão anterior. No entanto, é importante esclarecer que a decisão não implica na libertação de parcela majoritária dos presos, embora deve ensejar revisão de prisões decorrentes de execuções provisórias. As únicas prisões passíveis de serem revistas são aquelas que se configuram unicamente como execução provisória da sentença penal em segunda instância. (xanax) Portanto, as medidas cautelares continuarão a ser aplicadas, desde que presentes os requisitos necessários para a sua decretação.

6. PEC 5/19

A decisão do STF, entretanto, não é o fim da discussão sobre a prisão em segunda instância. Tal qual mencionado anteriormente, a presunção de inocência está consubstanciada em cláusula pétrea e, portanto, não pode ser revogada ou modificada por Emendas Constitucionais. Ocorre que há uma tentativa de autorizar a execução imediata da sentença penal após a segunda instância por outros meios constitucionais.

A PEC 5/2019, então, tem como objetivo a alteração do art. 93 da Constituição Federal, o qual trata dos princípios da Magistratura. Dessa maneira, pretende que seja inserido, no dispositivo, o inciso XVI “para positivar a possibilidade de execução provisória da pena, após a condenação por órgão colegiado”. Conforme a explicação da ementa do projeto: “Determina que a decisão condenatória proferida por órgãos colegiados deve ser executada imediatamente, independentemente do cabimento de eventuais recursos”.

A justificativa é de que ordenamento brasileiro é ineficiente na aplicação da lei, diante do excessivo número de recursos. A alteração legislativa, assim, seria uma forma de conceder à sociedade uma resposta satisfatórias à crise da insegurança pública, ainda que ponha em risco o direito à defesa e a presunção de inocência.

Resta, portanto, aguardar o desfecho da discussão e verificar se a proposta da PEC 5/2019 não criará uma nova incompatibilidade, agora entre dispositivos constitucionais.

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