Novo CPC – Hipóteses previstas no rol do art. 1.015 e suas interpretações

22/03/2018
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10/05/2019
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Inicialmente, a respeito da indagação suscitada, é importante fazermos um breve apanhado sobre a mudança do sistema de recorribilidade das decisões interlocutórias do Código de Processo Civil de 1973 para o Novo CPC (2015). Isto porque o CPC/73, em sua última versão, com todas as modificações, previa, como regra, a necessidade de impugnação imediata das decisões interlocutórias sob pena de preclusão, o que foi substancialmente modificado no código vigente.

Assim, na vigência do CPC/73 a parte inconformada com qualquer decisão interlocutória deveria impugná-la de imediato, através do agravo retido, regra geral, ou de instrumento, quando se tratasse de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação era recebida (art. 522, CPC-73).

Com o advento do CPC/2015, segundo o professor Humberto Theodoro Junior, o legislador “valorizou o principio da irrecorribilidade das interlocutórias, mais do que o Código de 1973”1, visto que se eliminou a figura do agravo retido e definiu quais as decisões serão sujeitas a agravo de instrumento, sendo o rol de hipóteses previstas no artigo 1.015 do Novo CPC taxativo. As decisões que não estão previstas nesse rol ou em lei extravagante, não precluem imediatamente, deverão ser impugnadas na apelação, em sede preliminar, ou nas contrarrazões de apelação (art. 1.009, §1º CPC/2015).

Decisões não elencadas no artigo 1.015 do Novo CPC

Surge, assim, a preocupação com relação às decisões sobre matérias que não estão elencadas no artigo 1.015 do Novo CPC ou em lei extravagante e que não podem aguardar para serem impugnadas somente após a sentença, uma vez que trariam enormes prejuízos às partes, como nos casos de decisões que tratam de competência absoluta ou relativa, que determinam a emenda a petição inicial ou decisões que neguem eficácia a negócio jurídico processual, por exemplo.

Para esses casos não agraváveis, alguns doutrinadores, como o Daniel Assumpção Amorim, acreditam na “popularização do mandado de segurança, que passará a ser adotado onde atualmente se utiliza do agravo quando este tornar-se incabível. Corre-se um sério risco de se trocar seis por meia dúzia, e, o que é ainda pior, desvirtuar a nobre função do mandado de segurança”2. Por isso, se faz necessária a análise da possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses agraváveis do artigo 1.015 do CPC/2015.

O que dizem os demais especialistas

Essa taxatividade prevista no Novo CPC não é incompatível com a interpretação extensiva e já tem o aval de da doutrina especializada. Os nomes mais evidentes que defendem essa interpretação são Fredie Diddier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha, que entendem que “embora taxativas as hipóteses de decisões agraváveis, é possível interpretação extensiva de cada um dos seus tipos”. E complementam:

“Tradicionalmente, a interpretação pode ser literal, mas há, de igual modo, as interpretações corretivas e outras formas de reinterpretação substitutiva. A interpretação literal consiste numa das fases (a primeira, cronologicamente) da interpretação sistemática. O enunciado normativo é, num primeiro momento, interpretado em seu sentido literal para, então, ser examinado crítica e sistematicamente, a fim de se averiguar se a interpretação literal está de acordo com o sistema em que inserido.

Havendo divergência entre o sentido literal e o genético, teleológico ou sistemático, adota-se uma das interpretações corretivas, entre as quais se destaca a extensiva, que é um modo de interpretação que amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra. Assim, se a mensagem normativa contém denotações e conotações limitadas, o trabalho do intérprete será o de torná-las vagas e ambíguas (ou mais vagas e ambíguas do que são em geral, em face da imprecisão da língua natural de que se vale o legislador)3“.

Novo CPC

Posição do STJ a respeito do rol taxativo do artigo 1.015 do Novo CPC

Desse modo, através de comparações e da observância ao princípio da isonomia, o julgador pode e deve utilizar-se da interpretação extensiva para decidir sobre matérias não previstas no rol taxativo do artigo 1.015 do Novo CPC.

Esse, inclusive, também é o posicionamento da 2ª e da 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça, que decidiram recentemente por unanimidade, respectivamente, sobre a possibilidade de interposição de agravo de instrumento contra decisões que não concedem efeito suspensivo aos embargos à execução e contra decisões interlocutórias relacionadas à definição de competência, apesar das matérias não estarem expressamente prevista no rol legal. No julgamento da proferido pela 2ª turma, REsp. nº 1.694.667 – PR, o relator ministro Herman Benjamin, ressalta que “deve ser dada interpretação extensiva ao comando contido no inciso X do art. 1.015 do Novo CPC, para que se reconheça a possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento nos casos de decisão que indefere o pedido de efeito suspensivo aos Embargos à Execução.”4

Cumpre-nos transcrever a ementa do julgamento de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, da 4ª turma, pois de forma categórica, o ministro elucida que ambas as hipóteses, tanto a prevista (inciso III, convenção de arbitragem) quanto a não prevista (competência relativa ou absoluta) tem a mesma razão “qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda”:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS PROCESSUAIS. TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO CABÍVEL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 1 DO STJ. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA COM FUNDAMENTO NO CPC/1973. DECISÃO SOB A ÉGIDE DO Novo CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO PELA CORTE DE ORIGEM. DIREITO PROCESSUAL ADQUIRIDO. RECURSO CABÍVEL. NORMA PROCESSUAL DE REGÊNCIA. MARCO DE DEFINIÇÃO. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA OU EXTENSIVA DO INCISO III DO ART. 1.015 DO Novo CPC.

1. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que as normas de caráter processual têm aplicação imediata aos processos em curso, não podendo ser aplicadas retroativamente (tempus regit actum), tendo o princípio sido positivado no art. 14 do Novo CPC, devendo-se respeitar, não obstante, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

2. No que toca ao recurso cabível e à forma de sua interposição, o STJ consolidou o entendimento de que, em regra, a lei regente é aquela vigente à data da publicação da decisão impugnada, ocasião em que o sucumbente tem a ciência da exata compreensão dos fundamentos do provimento jurisdicional que pretende combater. Enunciado Administrativo n. 1 do STJ.

3. No presente caso, os recorrentes opuseram exceção de incompetência com fundamento no Código revogado, tendo o incidente sido resolvido, de forma contrária à pretensão dos autores, já sob a égide do novo Código de Processo Civil, em seguida interposto agravo de instrumento não conhecido pelo Tribunal a quo.

4. A publicação da decisão interlocutória que dirimir a exceptio será o marco de definição da norma processual de regência do recurso a ser interposto, evitando-se, assim, qualquer tipo de tumulto processual.

5. Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do Novo CPC, a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do Novo CPC, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda.

6. Recurso Especial provido. 5

Decisões divergentes

Em que pese tudo indicar que esse será o posicionamento majoritário na corte superior, ainda não se pode concluir nesse sentido. No mês anterior ao da decisão supramencionada, o ministro Marco Aurélio Bellizze, integrante da 3ª turma do STJ, não considerou ser possível a interpretação extensiva das hipóteses previstas no artigo 1.015 do Novo CPC e monocraticamente, negou provimento ao recurso especial6 analisado.

Essa divergência jurisprudencial não é uma exclusividade da corte superior, uma vez que alguns tribunais brasileiros estão decidindo de maneiras distintas, por exemplo, o egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal7 que tem decisões nos dois sentidos. Logo, há uma necessidade iminente de uniformização do entendimento sobre o cabimento do agravo de instrumento.

Após a uniformização sobre o cabimento, o que acreditamos ser pela admissão da interpretação extensiva dos casos não previstos no rol legal, a corte precisará definir de plano as principais matérias que caberão essa analise extensiva, trazendo assim, mais segurança jurídica e isonomia nas decisões.

Autor: João Pedro Marra, advogado, pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil (FACAB/SP), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).

  1. THEODORO JÚNIOR, H. Código de Processo Civil anotado. 20. ed. rev. atua. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 2049p.
  2. NEVES, D. A. A. Novo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 1. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016. v. 1. 1904p.
  3. DIDIER JÚNIOR, F.; CUNHA, L. J. C. Curso de Direito Processual Civil – v. 3 – reescrito com base no Novo CPC. 13. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016. v. 1. 720p.
  4. Acórdão n. 76914179, RECURSO ESPECIAL Nº 1.694.667 – PR (2017/0189695-9), Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª turma do STJ, Data do Julgamento: 05/12/2017, Publicado no DJE: 18/12/2017.
  5. Acórdão n. 1655954, RECURSO ESPECIAL Nº 1.679.909 – RS (2017/0109222-3), Relator Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma do STJ, Data do Julgamento: 14/11/2017, Publicado no DJE: 01/02/2018.
  6. Decisão Monocrática n. 77508045, RECURSO ESPECIAL Nº 1.700.500 – SP (2017/0246745-0), Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma do STJ, Data do Julgamento: 16/10/2017, Publicado no DJE: 07/11/2017.
  7. O TJDFT tem decisões que não admitem a interpretação extensiva do rol legal: Acórdão n.961196, 20160020206999AGI, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 17/08/2016, Publicado no DJE: 29/08/2016. Pág.: 193/210 e decisões que admitem a interpretação extensiva: (Acórdão n.978761, 20160020344135AGI, Relator: SÉRGIO ROCHA, Relator Designado: JAMES EDUARDO OLIVEIRA 4ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 19/10/2016, Publicado no DJE: 17/11/2016. Pág.: 529/542)

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