O patrimônio de afetação e a incorporação imobiliária

22/06/2021
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20/04/2023
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8 minutos

Nos últimos textos aqui no blog, nós temos falado bastante sobre o rentável modelo de negócio chamado incorporação imobiliária. Abordamos temas como a importância do registro do conjunto de documentos denominado memorial de incorporação, por exemplo, e também o prazo de validade deste. Contudo, ainda há algo que precisa se melhor explorado: a teoria da afetação do patrimônio.

Acredito ter ficado claro, até aqui, que o ordenamento jurídico se encontra arquitetado para prestar a maior segurança jurídica possível para que o adquirente alcance o seu objetivo. E este se traduz em receber a unidade autônoma que comprou na planta.

Em meus estudos no mercado jurídico imobiliário, me deparei repetidas vezes com afirmações no sentido de que a Lei busca dar respaldo à criatividade dos “players” do mercado imobiliário e também regulamentar a atividade da incorporação imobiliária.

É neste cenário que aparece a teoria da afetação, a qual nada mais é do que a previsão de mecanismos de proteção patrimonial da incorporação afetada.

Navegue por este conteúdo:

1. O que é a teoria da afetação do patrimônio

O patrimônio de afetação, portanto, é a separação do terreno e acessões objeto de incorporação imobiliária, assim como os bens e direitos vinculados, para a aquisição da incorporação correspondente e a entrega das unidades aos respectivos adquirentes.

Via de regra, o acervo de cada empreendimento do incorporador integra seu patrimônio geral. Desse modo, este conjunto de bens e direitos forma a garantia geral dos seus credores. Isso significa, então, que ele responde por variadas dívidas e, no caso de falência, estas devem compor a massa falida.

Neste sentido, destaca-se que o art. 43 da Lei nº 4.591/64 classifica como privilegiado o crédito dos adquirentes de unidades em construção na falência. Todavia, este privilégio não chega a produzir efeito prático quando consideradas as preferências dos créditos trabalhistas e créditos fiscais, por exemplo.

Além dos compradores das unidades imobiliárias, correm igual risco os financiadores da construção. Isto porque eles veem os seus créditos submetidos ao concurso de credores. E sofrem, inclusive, desprestígio em relação a outros que não contribuíram diretamente para a execução da obra.

Por esta razão, o chamado patrimônio de afetação apresenta-se como uma solução viável para a mitigação dos pontos de tensão mencionados acima.

Isso porque, conforme extrai-se da obra “Da Incorporação Imobiliári”a, do professor Melhim Namem Chalub (2005), um dos idealizadores da referida teoria:

O acervo patrimonial que compõe uma incorporação imobiliária – terreno, acessões, receitas provenientes das vendas, obrigações vinculadas ao negócio, bem como os respectivos encargos fiscais, trabalhistas e previdenciários etc. – é suscetível de afetação, pela qual esse conjunto de direitos e obrigações fique segregado, tendo a exclusiva finalidade de conclusão da obra e entrega das unidades aos adquirentes.

2. Objetivos do patrimônio de afetação

Convém esclarecer que a afetação não tem por objetivo promover a interferência no direito do incorporador de desenvolver a incorporação. Na verdade, ela busca condicionar o exercício dos direitos deste, ao passo que o vincula ao cumprimento da função econômica e social do empreendimento afetado.

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Por assim dizer, o patrimônio de afetação é capaz de blindar a incorporação constituída nestes moldes, dos possíveis insucessos de outros negócios empreendidos pela incorporadora.

Neste sentido, tem-se como resultado a vinculação dos recebíveis quitados pelos adquirentes à realização daquele empreendimento. Entretanto, é proibido, nos limites previstos na Lei, eventuais desvios desses recursos.

Em relação à quantia vinculada, ela compreende:

  • o importe necessário para a execução da obra; e
  • a regularização do edifício perante o Ofício de Registro de Imóveis.

3. Incorporação imobiliária e afetação na lei

Na legislação que trata da incorporação imobiliária (Lei nº 4.591/64), o patrimônio de afetação está disposto entre os artigos 31-A e 31-F.

Além disso, a incomunicabilidade dos bens está prevista logo no parágrafo primeiro do mencionado artigo 31-A veja-se:

Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

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§ 1o O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)” (grifou-se)

4. Autonomia funcional do patrimônio

A par disso, segundo Melhim, “vale dizer: o patrimônio de afetação não é um patrimônio dissociado do patrimônio geral do sujeito, mas permanece a ele articulado, nele operando destacadamente, e esse destaque é feito para que tal acervo possa cumprir determinada função, daí porque se fala que sua autonomia é funcional, não plena”.

Neste aspecto, externa-se que o empreendimento submetido ao regime de afetação possui uma contabilidade e conta bancária próprias. Dessa forma, o seu controle é realizado periodicamente através de demonstrações do andamento da obra comparadas ao respectivo planejamento financeiro.  

5. Constituição do patrimônio de afetação

A respeito da constituição do patrimônio de afetação, convém esclarecer que este, a despeito de toda a segurança que oferece ao atenuar boa parte dos riscos patrimoniais, configura-se tão somente como uma faculdade do incorporador que pode optar pelo gravame a qualquer tempo durante a consecução do empreendimento, nos termos constantes no artigo 31-B da Lei nº 4.591/64, abaixo:

Art. 31-B. Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

Parágrafo único. A averbação não será obstada pela existência de ônus reais que tenham sido constituídos sobre o imóvel objeto da incorporação para garantia do pagamento do preço de sua aquisição ou do cumprimento de obrigação de construir o empreendimento. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

6. Extinção da afetação

Por outro lado, “uma vez extinto o patrimônio de afetação, o montante do resultado desse negócio é absorvido pelo patrimônio geral do incorporador; assim, caso o produto da venda das unidades de determinada incorporação não seja suficiente para levá-la a cabo, o incorporador terá que extrair recursos do seu patrimônio geral e destiná-los à conclusão da incorporação e, de outra parte, caso haja resultado positivo na incorporação, este será levado para o patrimônio geral, passando a compor o lucro que há de se refletir no lucro tributável da empresa incorporadora.” (Melhim, 2005)

Sobre as formas de extinção do regime de afetação, dispõe o artigo 31-E da Lei nº 4.591/64:

Art. 31-E. O patrimônio de afetação extinguir-se-á pela: (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

I – averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

II – revogação em razão de denúncia da incorporação, depois de restituídas aos adquirentes as quantias por eles pagas (art. 36), ou de outras hipóteses previstas em lei; e (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

III – liquidação deliberada pela assembleia geral nos termos do art. 31-F, § 1o. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

7. Falência da empresa incorporadora

Ainda, retomando a questão da falência da empresa incorporadora, caso ela ocorra, não atingirá a incorporação afetada, para fins de concurso de credores, uma vez que os créditos a ela vinculados, não serão habilitados no juízo da falência, devendo ser cumpridos com as receitas da incorporação, a qual passará a ser administrada pela comissão de representantes dos adquirentes, com autonomia em relação ao procedimento falimentar, cabendo a ela decidir pela conclusão da obra ou liquidação do patrimônio de afetação.

É assim que determina o artigo 31-F da Lei de Incorporação Imobiliária e Condomínio Edilício:

Art. 31-F. Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação.  (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

O assunto é complexo de modo que sua compreensão demanda um estudo da série de desdobramentos ocasionados pelo exercício desta faculdade do incorporador. Entretanto, o intuito desta abordagem inicial foi apresentar um panorama geral da matéria e sobretudo a vantagem, representada pela organização e segurança, que ela traz aos envolvidos.

Espero ter alcançado o objetivo. Até a próxima.

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  1. Boa tarde.
    Estou precisando saber mais sobre patrimonio de afetação e consequente regime tributário especial RET – uma empresa cliente minha (incorporadora) pretende iniciar uma nova obra através deste regime.
    Gostaria de informações e orçamento para tais consultorias.

  2. comentário…
    Dúvida. Incorporação com Patrimônio de Afetação. Proprietário do terreno comprometido em Permuta.
    Como proceder junto ao Registro de Imóveis para substituição da Construtora Falida?
    Precisa alvará do Juízo falimentar ou basta Ata de decisão da Comissão?