Princípio da legalidade: o que é e como ele se aplica na prática

17/01/2023
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17/04/2024
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Princípios são norteadores, que pairam sobre toda a prática do Direito, guiando os agentes na elaboração, interpretação e aplicação da lei. Por isso, é fundamental entender um dos princípios mais importantes e abrangentes da Constituição Federal: o princípio da legalidade.  

Com repercussões em diversos âmbitos, o princípio da legalidade é um balizador do Estado Democrático de Direito – um limitador chave para evitar desmandos, autoritarismo e abusos por parte do poder constituído.

Neste artigo, você entenderá o que é o princípio da legalidade, verá diferentes tipos de de entendimento acerca desse tema e ainda conhecerá como o princípio se aplica a distintas áreas do Direito. Vamos lá? Boa leitura!

O que é o princípio da legalidade? 

O princípio da legalidade é um princípio constitucional e uma garantia fundamental por meia da qual se estabelecem os limites de punir no estado democrático. Em resumo, o princípio da legalidade pressupõe que o estado não pode tomar nenhuma ação punitiva, administrativa ou restritiva contra o indivíduo se não houver, para tal, previsão em lei.  

Assim, de modo prático, o princípio da legalidade serve para proteger o cidadão do abuso de poder, de ações arbitrárias, dentre outros riscos advindos de um Estado autoritário. Na mesma medida, ele contribui para estabelecer os direitos e obrigações aos quais estão submetidas os indivíduos.  

Como escreveu a professora Mariângela Gama de Magalhães Gomes, na obra Direito penal e interpretação jurisprudencial: do princípio da legalidade as sumulas vinculantes (Atlas, 2008), o princípio da legalidade cumpriu um importante papel, desde os primeiros momentos:  

“Em sua origem iluminista, o princípio da legalidade representou o rompimento com as políticas penais arbitrarias próprias da sociedade medieval, assim como o claro reconhecimento de que a atividade punitiva do Estado precisa sofrer limitações, posto incidir sabre um dos mais importantes valores do ser humano, qual seja, a liberdade.” 

Por sua importância, esse princípio aparece nas diferentes constituições brasileiras ao longo da história, tendo sido registrado desde a Constituição Imperial de 1984, ao menos.  

– Como o princípio da legalidade aparece na CF (Constituição Federal/1988)? 

O princípio da legalidade está explícito, especificamente, no art. 5º da Constituição Federal (CF/88), onde se lê:  

Art. 5º 

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; 

Neste trecho do texto legal, o termo “lei” é entendido num sentido amplo. Assim, estabelece-se um limite para a atuação do estado sobre os seus administrados. Como comenta a jurista Flávia Bahia, em sua obra Direito Constitucional (Editora Armador, 2017), o princípio da legalidade, portanto, serve para expressar a sujeição ou subordinação das pessoas, órgãos ou entidades às prescrições emanadas do Legislativo, Executivo e Judiciário.

Contudo, como veremos ao longo deste texto, a maneira como o princípio da legalidade incide sobre indivíduos de direito privado e de direito público é bastante distinta. Continue conosco, para adentrar nessa questão! 

Tipos de legalidade: diferença entre ampla e restrita 

Nas discussões acerca do princípio da legalidade, é comum encontrar juristas e doutrinadores que tratam de diferenciar a legalidade no sentido amplo e estrito.  Vejamos no que consiste a distinção entre esses dois conceitos.

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– Legalidade ampla 

O princípio da legalidade no sentido amplo se aplica às pessoas de direito privado e às relações e negócios jurídicos por elas constituídos. Assim, pelo viés da legalidade ampla, entende-se que o que predomina é o princípio da autonomia da vontade.  

Em outras palavras, para pessoas de direito privado, permanece aquilo que foi acordado entre elas, desde que não venha a ferir a lei. Isto é, o indivíduo pode agir e fazer ou deixar de fazer conforme sua vontade, desde que não se oponha expressamente às disposições legais.  

– Legalidade estrita 

O princípio da legalidade estrita é aplicado especificamente às pessoas de direito público. Por este viés, ficam os entes da administração pública sujeitos especificamente ao que está previsto e disposto em lei, devendo agir, fazer ou não fazer exclusivamente de acordo com o que está legislado.  

Como exemplificou o professor Caio Tácito, a ideia pode ser assim resumida: 

“Ao contrário da pessoa de direito privado, que, como regra, tem a liberdade de fazer aquilo que a lei não proíbe, o administrador público somente pode fazer aquilo que a lei autoriza expressa ou implicitamente.”  Revista de Direito Administrativo, nº 206, 1996.  

Ou ainda, nas palavras do jurista Hely Lopes Meirelles, na obra Direito Administrativo Brasileiro (Malheiros, 2016):  

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Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”. 

Para entender a diferença entre o princípio da legalidade e a reserva legal, antes, é necessário compreender como se dá a aplicação das leis em sentido amplo e em sentido formal.  

No ordenamento jurídico brasileiro, existem matérias que só podem ser reguladas por meio de leis em sentido formal. Isto é, aquelas leis que passaram pelos processos constitucionais previstos para sua elaboração e aprovação pelo Poder Legislativo. Essas leis são a base do arcabouço normativo no Brasil, seguem uma hierarquia e regulam grande parte do Direito.  

Assim, as leis no sentido formal são aquelas discutidas e aprovadas nas casas legislativas, como Câmara e Senado.  

Já as leis em sentido amplo compreendem todas as normas e regulamentos, incluindo regramentos que não passaram pelo Poder Legislativo. Nesse grupo estão contidas, por exemplo, normas consuetudinárias, atos normativos da Administração Pública Federal e dos órgãos reguladores, medidas provisórias (MPs), entre outros instrumentos.  

Feita essa diferenciação entre leis no sentido formal e amplo, é hora de entender, afinal, o que é reserva legal?  

A reserva legal é um delimitador que serve para estabelecer que a legislação sobre certas matérias é de responsabilidade exclusiva do Poder Legislativo federal. Em outras palavras, está reservado ao Poder Legislativo Federal a competência de legislar sobre determinados temas.  

Assim, a principal diferença está no fato de que, enquanto o princípio da legalidade é amplo e abarca todo tipo de normativa, a reserva legal se debruça sobre as particularidades da lei em sentido formal.  

Repercussões do princípio da legalidade em diferentes áreas do Direito 

A aplicação do princípio da legalidade se estende há uma quantidade bastante ampla de áreas do Direito, incluindo desde matérias penais até tributárias.  

Além destas, há também a legalidade administrativa, que não apenas é alvo de questão em dezenas de concursos públicos, como também movimenta o debate em outras esferas. Assim, a seguir, falaremos sobre essas três repercussões da legalidades, quais sejam: 

  • Princípio da legalidade administrativa; 
  • Princípio da legalidade penal; 
  • Princípio da legalidade tributária. 

Vamos lá? 

– Princípio da legalidade na Administração Pública 

Nesta seara, devemos interpretar o princípio da legalidade pelo viés do Direito Administrativo. Em tal contexto, ele atua de maneira estrita. Isto é, limita a atuação dos entes da administração pública àquilo que está previsto em lei – nada mais! 

Este princípio é tão caro à administração pública, que aparece explicitamente no texto da Constituição Federal (CF/88). In verbis: 

 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] 

Em comentário ao art. 37, cabe relembrar o que escreveu o  jurista e professor Hely Lopes Meirelles:  

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.  Direito Administrativo Brasileiro (Editora Malheiros, 2016) 

Na prática, portanto, o princípio da legalidade administrativa serve para subordinar os agentes e órgãos dessa esfera à lei.  

– Princípio da legalidade penal 

No âmbito do Direito Penal, o pressuposto expresso pela legalidade é tratado com máximo rigor, uma vez que o bem violado quando não se cumpre o princípio é nada menos que a liberdade do indivíduo.  

Além do que, o princípio da legalidade penal está intimamente associado à ideia popularmente difundida de que  “a lei deve ser igual para todos”. Neste sentido, mais uma vez, cabe ressaltar os escritos da professora Mariângela Gama de Magalhães Gomes:  

“[…] além de garantir a certeza jurídica e evitar a anarquia legislativa, a absoluta subordinação do juiz à lei impessoal (geral e abstrata) diminuiu o temor de que, através da atividade interpretativa e da busca pelo “espirito da lei”, fossem reabertas as portas à incerteza jurídica, à desigualdade, às arbitrárias limitações da liberdade. Nesse contexto, o princípio da legalidade diz respeito à exigência de que a lei seja igual para todos, devendo ser aplicada segundo um critério de igualdade.”  Direito penal e interpretação jurisprudencial: do princípio da legalidade as sumúlas vinculantes (Atlas, 2008)

No nível prático, portanto, a legalidade penal se manifesta no entendimento dos tipos penais e de suas penas – que devem, necessariamente, estar previstas no ordenamento jurídico. 

– Princípio da legalidade tributária 

No Direito Tributário, o princípio da legalidade ocupa um papel central, sendo base para aplicação de qualquer tributo. Também nesta área do Direito prevalece o entendimento central manifesto pelo princípio da legalidade – isto é, o de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, se não em virtude da lei.  

Logo, temos que a aplicação de tributos só poderá ser exigida quando houver previsão legal para tal. O art. 150 da Constituição Federal assim expressa: 

  Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; 

Sobre esse artigo da Carta Magna, no entanto, é possível entender que ele versa sobre a instituição de tributo (em forma de lei) ou, em linha alternativa, sobre sua cobrança. Diante dessa controvérsia, o professor de Direito Tributário, Ricardo Alexandre, explicou:  

Caso se opte por seguir a lição dos constitucionalistas, segundo a qual a submissão de matéria específica à regulação por lei é manifestação do princípio da reserva legal, enquanto a submissão da criação de quaisquer obrigações ao domínio da lei (CF, art. 5.º, II) seria decorrência do princípio da legalidade, seria mais adequado denominar o princípio tributário esculpido no art. 150, I, da CF/1988 de reserva legal. Não obstante, há de se ressaltar que as provas de concurso público têm geralmente denominado o princípio como legalidade tributária.  Direito Tributário Esquematizado (Editora Método, 2016)

Jurisprudência acerca do princípio da legalidade: exemplo prático

O princípio da legalidade aparece em inúmeros julgados. É farta a jurisprudência sobre o tema, uma vez que ele é acionado, por exemplo, para defender direitos adquiridos, coibir o abuso de poder, entre outras motivações.  

É o que vemos no exemplo abaixo, no qual o princípio da legalidade foi usado na fundamentação realizada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a fim de garantir a nomeação de um candidato para o serviço público federal. Como segue: 

CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO ANTERIORMENTE DEMITIDO DO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. NEGATIVA DE NOMEAÇÃO EM OUTRO CARGO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 

O cerne da controvérsia cinge-se à interpretação e aplicação dos princípios da moralidade e da legalidade insculpidos no art. 37, caput, da CF. No caso, o impetrante foi aprovado em concurso público para os cargos de analista fiscal de contas públicas e de analista administrativo do TC estadual, mas teve sua nomeação recusada em virtude de anterior demissão dos quadros da PRF por ato de improbidade administrativa. A Min. Relatora observou que, estando ambos os princípios ladeados entre os regentes da Administração Pública, a discussão ganha relevância na hipótese em que o administrador edita ato em obséquio ao imperativo constitucional da moralidade, mas sem previsão legal específica. A Turma entendeu que, por força do disposto nos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da CF, a legalidade na Administração Pública é estrita, não podendo o gestor atuar senão em virtude de lei, extraindo dela o fundamento jurídico de validade dos seus atos. Assim, incorre em abuso de poder a negativa de nomeação de candidato aprovado em concurso para o exercício de cargo no serviço público estadual em virtude de anterior demissão no âmbito do Poder Público Federal se inexistente qualquer previsão em lei ou no edital de regência do certame. RMS 30.518-RR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/6/2012. 

Perguntas frequentes 

O que diz o princípio da legalidade? 

O princípio da legalidade diz que ninguém poderá ser obrigado a agir, fazer ou não fazer, sem que seja em virtude da lei. Ele está expresso na Constituição Federal, Art. 5º, II.  

Quais são as características do princípio da legalidade? 

O princípio da legalidade é caracterizado por ser um princípio constitucional baseado na impessoalidade, na supremacia do interesse público e no combate ao autoritarismo e ao abuso de poder, dentre outras características.  

Conclusão

Como você viu, o princípio da legalidade é uma premissa fundante do Estado Democrático de Direito. Ele ajuda a prevenir abusos, arbitrariedades e o autoritarismo dos poderes constituídos. Conhecê-lo, portanto, é fundamental não apenas para os advogados que atuam na seara constitucional, mas também para qualquer profissional do Direito que deseje defender plenamente seus clientes.

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