Concurso público: prova de títulos, razoabilidade e proporcionalidade

27/11/2019
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28/03/2023
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11 minutos

Passar em um concurso público é o sonho de milhares de brasileiros. Estes se dedicam aos estudos, desse modo, por anos, até conquistar o tão sonhado cargo.

Com a Constituição de 1988, então, o acesso ao cargo público ficou mais justo, permeado por vários princípios que norteiam a Administração Pública, sempre em busca de lisura, igualdade, transparência e moralidade.

Navegue por este conteúdo:

1. O que é concurso público

Nas palavras do saudoso professor Hely Lopes Meirelles [1]:

o concurso público é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumar abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos.

Em suma, a obrigatoriedade do concurso público para ingresso aos quadros da Administração trouxe o direito fundamental aos candidatos de concorrer, em igualdade de condições, às posições públicas estáveis.

Dessa forma, o texto constitucional em vigor estabelece que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego.

2. O que é prova de títulos em concurso público

A prova de títulos é uma das formas de avaliar o mérito do candidato através da análise de sua produção científica, de sua vida acadêmica, de sua experiência profissional, por exemplo.

Mas, atenção. Ó concurso público é o meio adequado para que a Administração Pública preencha seus quadros com pessoas que se mostrem habilitadas e capacitadas para desenvolver determinada atividade. Portanto, é uma disputa imparcial onde se averigua o melhor e mais preparado candidato para executar determinada função. E dessa maneira, não é possível a seleção de candidatos apenas mediante a análise de títulos. Essa determinação é expressa, enfim, no art. 37, II, da CF, que estabelece que o concurso público será de provas ou de provas e títulos.

Para isso, existem regras e princípios para que a fase de avaliação de títulos não se torne algo arbitrário ou ilegal, de forma a prejudicar pessoas capacitadas para preencher o cargo público, ou mesmo se tornar uma ferramenta de favorecimento de algum indivíduo.

3. Prova de títulos e ampla competitividade

O candidato, sempre que se submeter a um concurso público que tenha avaliação de títulos, deve ficar atento, contudo, se a avaliação não está comprometendo a lisura e a competitividade do certame.

Isso porque, a depender do edital, a pontuação dos títulos pode ser feita de maneira a privilegiar alguém em detrimento de outros candidatos, como uma estratégia ardil de direcionar aquela vaga para algum “apadrinhado”.

Sim, em pleno 2019 temos isso acontecendo em vários lugares.

Aqui no escritório, por exemplo, temos uma demanda de uma autarquia federal em que, após a avaliação de títulos, o segundo colocado, que já teve vínculo por lá, subiu sua nota em nada menos que 216%.

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Não, você não leu errado: foi 216% de acréscimo em sua nota, de maneira que ninguém, em qualquer circunstância, seria capaz de ficar em primeiro lugar (era somente uma vaga).

E caso você queira acompanhar esse processo, basta me mandar um e-mail, que eu envio o número.

concurso público

4. Requisitos da fase de títulos em concurso público

Pois bem!

A fase de título deve possuir requisitos de maneira que não inviabilize a competição (conforme exemplo acima), e não traga exigência ilegais.

Vamos entender melhor como deve funcionar essa fase tão importante nos concursos públicos.

4. 1. Princípios razoabilidade e da proporcionalidade

A exigência e pontuação dos títulos deve ser amparada pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Naquele exemplo que citei acima, do caso que defendemos em nosso escritório, um candidato que tem 216% de sua nota aumentada após a avaliação dos títulos mostra que essa pontuação foi desproporcional, pois retirou da competição os demais candidatos.

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Cristiana Fortini [2], sobre esse assunto, diz que:

Todavia, o concurso público nesta modalidade não pode desvirtuar o escopo maior do certame seletivo, qual seja, o de selecionar, isonomicamente, os melhores candidatos. Assim sendo, o edital deverá, com precisão, declarar os títulos que serão aceitos, bem como a pontuação de cada um. A razoabilidade e a proporcionalidade deverão ser observadas com rigor. Assim, é evidente que fere a proporcionalidade o edital que atribui, por exemplo, a mesma pontuação para cursos de especialização, mestrado e doutorado. Do mesmo modo, não se mostra razoável que o edital atribua pontos, por exemplo, a uma publicação por ética num concurso para professor de física; ou não atribua pontos à mesma publicação poética num concurso para professor de literatura.

4. 1. 1. O excessivo rigor na análise dos títulos

Da mesma forma, o rigor excessivo e as meras formalidades devem ser evitados, justamente por serem questões desproporcionais. Vejamos, portanto, um julgado interessante do Tribunal de Justiça do Espírito Santo:

APELAÇÃO CÍVEL EM REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROFESSOR. NUMERAÇÃO DAS CÓPIAS DOS DOCUMENTOS ENTREGUES À ADMINISTRAÇÃO. MERA FORMALIDADE. RIGOR EXCESSIVO. DESPROPORCIONALIDADE DA ATRIBUIÇÃO DE NOTA ZERO. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

  1. O princípio da vinculação ao edital não é absoluto, de tal forma que impeça o judiciário de interpretar-lhe, buscando-lhe o sentido e a compreensão e escoimando-o de cláusulas desnecessárias ou que extrapolem os ditames da lei de regência e cujo excessivo rigor possa afastar, da concorrência, possíveis proponentes, ou que o transmude de um instrumento de defesa do interesse publico em conjunto de regras prejudiciais ao que, com ele, objetiva a administração. Precedentes do STJ.
  2. Os editais de concursos públicos não estão acima da Constituição Federal ou das leis que preconizam os princípios da impessoalidade, do devido processo administrativo, da motivação, da razoabilidade e proporcionalidade. Precedentes do STJ.
  3. Recurso desprovido. Sentença mantida. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, em conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, à unanimidade, negar provimento ao recurso, mantendo integralmente a r. sentença objeto de remessa.

Vitória, 24 de abril de 2018. DESEMBARGADOR PRESIDENTE/ RELATOR

4. 1. 2. Indeferimento administrativo decorrente do excesso de formalismo

Temos um outro caso, aqui no escritório, que o excesso de formalismo retirou a vaga de nosso cliente (até o momento).

Na prova de títulos, um dos títulos do meu cliente foi carimbado por uma pessoa que não era o cargo específico do RH, mas que tinha poderes para tal.

Só por causa disso, mesmo com a CTPS assinada (o que comprova o vínculo), a banca examinadora não pontuou o título dele, e ele ficou em 7º lugar (cadastro de reserva), e nomearam até o 6º lugar.

Absurdo, não é!?

Se o documento entregue pelo candidato foi suficiente a comprovar sua experiência profissional, não há espaço para o indeferimento administrativo de sua pontuação, e a jurisprudência já caminha nesse sentido.

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. CONCURSO PÚBLICO MUNICIPAL. DEMONSTRAÇÃO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL. EFETIVA DEMONSTRAÇÃO. NEGATIVA ILEGAL. LIMINAR DEFERIDA. ACRÉSCIMO DE PONTOS. TEORIA DO FATO CONSUMADO.

  1. Não se mostra razoável a negativa pela Administração quanto à demonstração de experiência profissional apenas porque a candidata não apresentou as espécies de atos administrativos indicados no edital. Se a documentação entregue pela impetrante foi suficiente a comprovar sua experiência profissional, não há espaço para o indeferimento administrativo, no caso.
  2. Se a situação favorável ao candidato, surgida com o deferimento de pedido liminar, terminou por se consolidar no tempo, não se mostra razoável a correspondente desconstituição, já tendo transcorrido considerável período de tempo, tudo a atrair a aplicação da teoria do fato consumado, na espécie dos autos.
  3. Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada.

TRF-1 – REOMS: 00216642820154014000 0021664-28.2015.4.01.4000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 06/09/2017, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 14/09/2017 e-DJF1)

4. 2. Objetividade no concurso público

A fase de títulos deve apresentar o maior grau de objetividade possível. Não poderia, afinal, ser diferente. Tudo que é subjetivo, tratando-se de concurso público, abre margem de discricionariedade, e isto põe em xeque, dessa forma, a lisura do certame.

Portanto, os critérios de avaliação da prova de títulos devem apresentar o maior grau de objetividade possível. Deve constar, assim, previamente no edital de abertura do certame os títulos que serão considerados e a pontuação de cada um, que será proporcional a importância para o exercício do cargo ou emprego público. Como os critérios objetivos para avaliação da prova de títulos devem constar no edital que regula o concurso público, ofende os princípios constitucionais da moralidade administrativa e da impessoalidade a fixação, após a entrega dos títulos, de critérios restritivos para a atribuição de pontos.

4. 3. Pertinência dos títulos ao cargo do concurso público

Os títulos considerados no concurso público devem possuir pertinência com as atividades inerentes ao cargo ou emprego público. Isso porque, caso abrisse margem para se aceitar títulos sem qualquer pertinência com o cargo, haveria a possibilidade de se utilizar essa brecha para favorecer algumas pessoas, o que afronta a característica do concurso público de selecionar o candidato mais preparado para o cargo.

Imagine a situação de um concurso de auditor-fiscal de tributos dando 30 pontos para cada ano de trabalho como assessor parlamentar na Câmara dos Deputados.

Quem seriam os novos auditores de tributos? Só assessores de Deputados.

4. 4. Avaliação do resultado da fase de títulos

O candidato deve ter acesso à avaliação do seu resultado na fase de títulos. Com base nos princípios constitucionais da publicidade e da legalidade, deve ser assegurado aos candidatos acesso à avaliação do seu resultado, bem como a possibilidade de impugnar administrativamente o resultado da avaliação de títulos, mediante recurso administrativo.

Ou seja, não basta negar a pontuação do título; é preciso explicar o porquê.

Aliás, foi isso que possibilitou que entrássemos com a ação para o nosso cliente por conta da questão do carimbo do RH. Se a banca examinadora apenas negasse a pontuação, sem explicar o motivo, não saberíamos o que estava “errado”, e isso dificultaria, dessa maneira, a propositura da ação.

4. 5. Comprovação dos títulos em concurso público

Deve ser aceita a certidão de conclusão do curso ou o diploma para fins de comprovação referente à prova de títulos. Como abordado em acórdão do STJ:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE TÍTULOS. VALIDADE DA CERTIDÃO DE CONCLUSÃO DE CURSO E TEMPESTIVIDADE DE SUA ENTREGA. COMPROVAÇÃO DA CONCLUSÃO DO CURSO EM DATA ANTERIOR ÀQUELA PREVISTA NO EDITAL PARA ENTREGA DOS TÍTULOS. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ.

  1. Não é possível conhecer da tese de contrariedade ao princípio da separação dos poderes por ser tal matéria de competência do Pretório Excelso, nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal.
  2. A jurisprudência desta Corte vem se firmando no sentido de que é válida a certidão de conclusão do curso ou o diploma para fins de comprovação referente à prova de títulos em concurso público e, na ausência destes documentos, por entrave de ordem burocrática, pode o candidato obter a pontuação correspondente ao título desde que demonstre ter concluído o curso em data anterior àquela prevista no edital para a entrega dos documentos comprobatórios da titulação. Precedentes.
  3. No caso dos autos, ficou comprovado que o candidato concluiu o seu curso de mestrado antes da prova de títulos e que apresentou a certidão de conclusão do curso.
  4. Aplica-se à espécie o enunciado 83 da Súmula do STJ, verbis: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”
  5. Recurso especial não conhecido.

(STJ, 2ª Turma, REsp: 1426414 PB 2013/0385719-4, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/02/2014, publicado em 24/02/2014)

Por fim, mas não menos importante, vale destacar que a fase de títulos só pode ter caráter classificatório, e o peso dos valores atribuídos aos títulos não pode ser decisivo no resultado do concurso.

Referências

  1. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 42ª ed. Malheiros, 206, p. 542.
  2. FORTINI, Cristiana. Servidor público: estudos em homenagem ao professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. Editora Fórum. Edição do Kindle.

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  1. Olá,
    Estou participando de um certame em que o edital não estabelece que a titulação acadêmica seja diretamente relacionada ao cargo, a exemplo, para Professor de Pedagogia, o candidato pode apresentar um título de Doutorado em Agronômia, em que legislação eu posso fundamentar um recurso administrativo contra a banca?

    1. Bom dia, Douglas, tudo bem?

      Nós da Equipe SAJ ADV, não podemos oferecer consultoria em atendimento a normas da OAB. Recomendo que você procure um profissional que possa orientá-lo quanto ao recurso, inclusive o nosso colunista Sérgio Merola, através das redes disponibilizadas.

      Abraços