Distrato trabalhista: nova modalidade de extinção do contrato de trabalho

28/04/2020
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27/08/2024
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Mesmo que existam princípios que privilegiem a continuação do contrato trabalhista, este, assim como os negócios jurídicos, deve ter um fim. E como veremos neste artigo, o distrato é uma das formas de extinção possíveis, ainda que haja questões a serem debatidas.

Retomando a ideia de que o contrato trabalhista também tenha um objetivo final, Godinho (2016, p. 1224), desse modo, exemplifica: “O contrato de trabalho, como os negócios jurídicos em geral, nasce em certo instante, cumpre-se parcialmente ou de modo integral, e sofre quase que inevitavelmente, alterações ao longo do tempo; por fim, ele se extingue”.

Formas de extinção do contrato de trabalho

Na esfera do Direito do Trabalho, há uma presunção do contrato de trabalho acontecer por período indeterminado. Há, então, uma fixação do empregado ao emprego.

Apesar disso, há também diversos motivos que levam a extinção do contrato. E eles podem ser, dessa forma, por iniciativa do empregador, do empregado ou mesmo por motivos alheios a estes. Nas palavras de Godinho (2016, p. 1224):

É que este fato transcende o mero interesse individual das partes, uma vez que tem reflexos no âmago da estrutura e dinâmica sociais: afinal, o desemprego não pode e não deve interessar à sociedade, ao menos em contextos de convivência e afirmação democráticas.

Como se verá adiante, o distrato também é considerada uma forma de extinção, mas existem contornos legais que precisam ser melhor trabalhados, sobretudo ante as mudanças legislativas. Antes disso, no entanto, é preciso explorar melhor as divisões doutrinárias da dissolução do contrato de trabalho.

Divisão pelo formato da dissolução do contrato

A partir das palavras anteriores de Godinho, vê-se, portanto, que não há somente um tipo de dissolução do contrato trabalhista.

Este pode se extinguir, assim, de três formas:

  • resolução;
  • por consequência de inexecução por parte de um dos contratantes, mediante um pronunciamento judicial;
  • rescisão ou resilição.

Ainda, pode haver cessação dos efeitos do contrato pela próprias partes, ou por uma delas, sem intervenção judicial, ou pela caducidade, sendo o contrato dissolvido pela morte do empregado; quando força maior impede a sua continuação, ou quando se verifica acontecimento a que foi subordinada sua eficácia. (GOMES; GOTTSCHALK, 2011).

No mesmo sentido, Godinho (2016, p. 1253) ressalta, quanto à dissolução por resolução contratual:

A resolução contratual corresponderia a todas as modalidades de ruptura do contrato de trabalho por descumprimento faltoso do pacto por qualquer das partes (infrações obreiras e empresarias); englobaria também a extinção do contrato em virtude de incidência de condição resolutiva.

O autor afirma, por fim, quanto à resilição contratual, que esta corresponde a todas modalidades de ruptura do contrato de trabalho por exercício lícito da vontade das partes.

Divisão pela parte que toma a iniciativa ou pelo impedimento

Moura (2016, p. 296), no entanto, prefere dividir as dissoluções trabalhistas da seguinte maneira pela:

  1. iniciativa dos contratantes, sem culpa ou infração contratual, nas modalidades de despedida sem justa causa, distrato, pedido de demissão e rompimento antecipado do contrato a termo;
  2. iniciativa dos contratantes, por culpa ou infração contratual, nas modalidades de justa causa (infração do empregado), rescisão indireta (infração do empregador) e culpa recíproca (infração de ambos);
  3. impossibilidade de prosseguimento do contrato de trabalho, nas modalidades morte do empregado, morte de empregador pessoa física sem continuidade do negócio, aposentadoria voluntária e por invalidez (hipóteses para discussão), falência da empresa, extinção da empresa ou do estabelecimento, força maior, factum principis e pelo fim do contrato a termo.

Nota-se, portanto, que não há um entendimento pacífico por parte da doutrina quanto às formas de dissolução do contrato de trabalho.

Independentemente disso, contudo, tratar-se-á de uma forma específica da extinção do pacto trabalhista, o Distrato Trabalhista, que somente foi positivado após vigência da Lei nº 13.467 (BRASIL, 2017), antes sendo somente um entendimento doutrinário.

Antes da Lei n. 13.467 de 2017 (BRASIL, 2017), ou seja, da Reforma Trabalhista, o distrato trabalhista não era previsto em legislação. Era, dessa forma, uma construção somente doutrinária e pouco usual no âmbito trabalhista.

Por ser pouco usado o distrato trabalhista, do qual não havia previsão de benefícios às partes, a doutrina utilizava para exemplificação, como no caso de Delgado (2016, p. 1306), uma figura muito próxima ao distrato: os chamados PDVs (Plano de Desligamento Voluntário).

Com a adesão ao plano de desligamento, então, o trabalhador recebe as parcelas inerentes à dispensa injusta, acrescidas de um montante pecuniário significativo, de natura indenizatória, reparando o prejuízo com a perda do emprego.

OJ 270 da SDI-I do TST

Nesse sentido, diante da controvérsia quanto à possível transação por meio de distrato, a OJ n. 270, da SDI-I do TST, tratou sobre as PDVs de maneira semelhante ao distrato, a qual tem como texto o que segue:

Programa de Incentivo à Demissão Voluntária. Transação extrajudicial. Parcelas oriundas do extinto contrato de trabalho. Efeitos. A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo.

Assim é que, havia dúvidas quanto à possibilidade do distrato. E ante a lacuna legislativa, doutrinadores divergiam sobre o uso daquele, pois  a única transação autorizada estava prevista na antiga Lei n. 5.107/66 (BRASIL, 1966) e pela Lei n. 8.036/90 (BRASIL, 1990), em seu art. 14, §2º, que importa também renúncia à estabilidade decenal. Ademais, não tem nenhuma relação com o distrato, pois não acarreta a extinção do contrato. Portanto, não pode servir de exemplo de distrato. (CASSAR, 2015).

Ineficácia do distrato em face da lacuna da lei

Nessa perspectiva, ante o vácuo legal anterior, diante da desvantagem para as partes, o distrato, teoricamente e somente teoricamente, era aceito. Pois na prática, mostrava-se ineficaz para a legislação vigente. Assim necessitava de regulamentação formal que lhe garantisse eficácia.

Consequentemente, com a crise econômica instalada e com a falta de verba dos empregadores para o pagamento das rescisórias trabalhistas, os PDVs tornaram-se usuais.

Esse instituto somente, contudo, não assegura benefícios aos envolvidos numa relação econômica, pois se torna inviável àqueles pequenos empresários.

Flexibilização da norma em relação ao distrato

Portanto, o distrato tornou-se a forma de melhor enquadramento, na atualidade, para uma rescisão plausível. Além disso, apenas a regularização de um distrato, sem a possível flexibilização das verbas rescisórias, se mostraria incoerente. isto porque se assemelharia a uma dispensa injusta, a qual somente beneficiaria o empregado.

A flexibilização da norma, desse modo, veio à tona como uma forma de contornar as dificuldades apresentadas pela legislação, bem como de superar uma iminente crise econômica.

O intuito desse mecanismo paira sobre a possibilidade de criação de empregos, bem como de aumentar o investimento ou a competitividade das empresas. Nas palavras de Uriarte (2003, p.275) “[…] a flexibilidade pode ser definida como eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com finalidade – real ou pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa”.

Reforma Trabalhista: a regularização do distrato no Direito Brasileiro

A Reforma Trabalhista tinha o intuito não somente de regularizar a rescisão bilateral nas relações de trabalho, mas também de garantir uma maior flexibilização trabalhista.

Apresentava-se o projeto de lei n. 38 (BRASIL, 2017) como uma hipótese de mudança da Consolidação das Leis do Trabalho, trazendo, assim, a possibilidade do distrato, propondo a inclusão do artigo 484-A, bem como algumas obrigações do empregador para com o empregado, que, em tese, beneficiariam ambos.

O teor do artigo supramencionado segue abaixo transcrito:

Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:

I – por metade:

a) o aviso prévio, se indenizado; e

b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no § 1º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990;

II – na integralidade, as demais verbas trabalhistas.

§ 1º A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.

§ 2º A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.

Com o texto mais amplo, prevendo a dispensa por mútuo acordo, a Reforma trouxe inovações para o atual cenário econômico, suprimindo alguns direitos trabalhistas, mas iniciando um debate quanto à utilização do distrato, e a possibilidade da diminuição das multas rescisórias.

As peculiaridades do distrato trabalhista

Sob a ótica do direito, é impossível suprimir totalmente a possibilidade de sujeitos capazes, por vontade consensual, criar ou por fim a relações jurídicas. Sendo assim, o distrato trabalhista, no viés da visão técnico-jurídica do Direito do Trabalho, é, de certa forma, inviável, por motivos relativos aos princípios inerentes ao Direito do Trabalho.

Assim o acordo informal para rescisão trabalhista fazia-se presente teoricamente, mas, na prática, era pouco usual.

A cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo das partes tinha somente alicerce doutrinário, da qual definia como:

Empregado e empregador poderão pactuar, mediante acordo, a cessação do contrato de trabalho. É o que se chama de distrato. Os próprios interessados estabelecerão quais serão as formas e consequências do rompimento do vínculo de emprego. (MARTINS, 2017, p. 595).

Colisão com direitos do trabalhador

O distrato trabalhista tem como escopo permitir àquelas partes não mais felizes com a continuidade do contrato de trabalho o poder de negociar sua rescisão sem abrir mão, todavia, de “benefícios” que uma justa causa ou dispensa sem justa causa traria às partes.

No entanto, mesmo que haja um mútuo desejo de pactuar a rescisão, não havia a possibilidade de ser livremente transacionada, por gritante necessidade de observar limites legais quanto ao levantamento dos depósitos do FGTS, salários e as férias vencidas.

Assim, o Distrato Trabalhista era um negócio formal que colidia com o contrato de trabalho e se reduzia a um acordo trabalhista entre as partes para colocar fim à relação de trabalho.

A vontade das partes na resolução do contrato de trabalho

Todavia, mediante os limites impostos ao distrato trabalhista, e evidente intuito de barrar supressão das parcelas “juslaborativas”, até a vigência da Lei nº 13.467 de 2017 (Reforma Trabalhista) este era dificilmente aceito, por medo de uma supressão evidente do empregador sob empregado.

Nesse sentido é que o artigo 484-A da Lei nº 13.467 de 2017, trouxe a possibilidade de as partes acordarem quanto à dissolução do contrato, afastando a multa que era imposta ao empregador (art. 477 da CLT/1943), e trazendo benefícios a ambos envolvidos no contrato de trabalho.

 A implementação desse artigo, cuja redação expus acima, que formalizou o distrato trabalhista, não somente o legalizou, mas trouxe meios para a sua utilização.

Dessa forma, abre espaço para a flexibilização e utilização de um meio inovador para dissolução de contrato, dando ênfase à vontade das partes e tornando possível algo que “estava longe da realidade trabalhista”.

Leia também:

Meios práticos para a efetivação do distrato

Portanto, a conduta do artigo 484-A da lei n. 13.467 de 2017 nada mais é que a formalização de um instituto que possibilita a dissolução do contrato de trabalho por acordo mútuo entre as partes, prevendo e oferecendo os meios para que o distrato possa ser utilizado na prática, sem as dificuldades impostas outrora pelo antigo artigo 477, da CLT de 1943, das quais, a participação do Sindicato no ato da rescisão, aplicação de multa quando há extinção sem justa causa, etc.

Ademais, o distrato prevendo o pagamento a metade do aviso prévio (quando indenizado) e multa sobre o depósito o saldo do FGTS, com uma possibilidade de levantamento de 80% do saldo do FGTS pelo trabalhador (o que não ocorreria caso houvesse pedido de dispensa por parte do empregado), traz benefícios consideráveis ao empregador pela redução do quantum indenizatório referente ao saldo do FGTS e aviso prévio (não um pagamento integral que ocorreria numa dispensa sem justa causa). Ainda ao empregado, além de ter o recebimento das rescisórias, tem permitida movimentação de capital congelado.

Saiba mais sobre os desafios da rescisão trabalhista, no Juriscast:

Proteção do trabalhador nas novas normas

Todavia, a proteção ao trabalhador não fora esquecida, apenas deu-se a oportunidade e liberdade para acordar, mas como meio de proteção a 2ª jornada de Direito material e processual do Trabalho preceituou que o ônus da prova, no distrato trabalhista, recai ao empregador, fato justificável pelo histórico do Direito Trabalhista, como modo de impedir abusos deste instituto. Assim, recorta-se:

64      RESCISÃO CONTRATUAL POR MÚTUO CONSENTIMENTO E SEM ASSISTÊNCIA SINDICAL: ÔNUS DA PROVA

NEGANDO O TRABALHADOR QUE A RUPTURA CONTRATUAL OCORREU POR MÚTUO CONSENTIMENTO (ART.484-A), É DO EMPREGADOR O ÔNUS DA PROVA, TENDO EM VISTA A REVOGAÇÃO DO § 1º DO 477 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (ASSISTÊNCIA/FISCALIZAÇÃO SINDICAL OBRIGATÓRIA) E EM FACE DOS PRINCÍPIOS DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO E DA PRIMAZIA DA REALIDADE, ASSUMINDO MAIOR RELEVÂNCIA A ORIENTAÇÃO DA SÚMULA 212 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO, 2017).

Benefícios mútuos do distrato trabalhista

Vislumbrou-se proteger, portanto, a continuidade da relação de emprego, pelo fato de impedir a utilização deste meio de dissolução na forma não consentida pelo empregado, com o intuito de pagamento a menor das rescisórias de uma dissolução sem justa causa.

Desta forma vê-se grande inovação que beneficia as partes de uma relação trabalhista, todavia, por desconhecimento infelizmente, minimamente utilizada mesmo podendo agraciar as partes de um contrato não mais desejado, a terem uma justa resolução.

Referências

  1. BRASIL. Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966. Cria o fundo de garantia do tempo de serviço, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:lei:1966-09-13;5107>. Acesso em: 11 nov. 2019.
  2. ______. Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8036consol.htm>. Acesso em: 11 nov. 2019.
  3. ______. Projeto de Lei da Câmara nº 38, de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nºs 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129049>. Acesso em: 11 nov. 2019.
  4. ______. Tribunal Superior do Trabalho Seção Especializada em Dissídios Individuais – 1. Orientação Jurisprudencial nº 270. Brasília, 27 de Agosto de 2002. Disponível em: <https://www.legjur.com/sumula/busca?tri=tst-sdi-i&num=270 >. Acesso em: 11 nov. 2019.
  5. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho, 11ª edição. Método, 06/2015.
  6. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho.15. ed. São Paulo: Ltr, 2016.
  7. GOMES, Orlando, GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho, 19ª edição. Forense, 09/2011.
  8. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho.33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
  9. MOURA, Marcelo. Curso de Direito do Trabalho, 2ª edição.. Saraiva, 4/2016.
  10. URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilização no direito do trabalho: a experiência Latino-Americana. In: Fórum internacional da flexibilização no direito do trabalho. Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, UniverCidade Editora, 2003.

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