Norma penal em branco: o que é, tipos e exemplos

11/03/2022
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28/11/2022
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9 minutos

Ao longo de sua atuação, os operadores do direito – advogados, promotores, juízes – se deparam com centenas de normas legais que tipificam crimes, mas que deixam de especificar algum elemento dessa tipificação: tem-se aí uma norma penal em branco. 

Por sua natureza, as normas penais em branco necessitam de complementação. Isto é, requerem que se busque em outros diplomas legais, a conceituação e especificação que faltou na norma original. 

Por esse motivo, essas normas precisam receber especial atenção dos profissionais do Direito. O que as caracteriza? Quais são suas particularidades? E, em que tipo de dispositivos legais se encontra a dita complementação?

Essas são algumas das questões sobre norma penal em branco que responderemos ao longo deste artigo. Boa leitura!

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O que é norma penal em branco?

Norma penal em branco é toda a norma que, ao tipificar um crime, traz no seu corpo um preceito genérico, indeterminado e, sobretudo, incompleto. 

Por serem imperfeitas, portanto, as normas penais em branco precisam, necessariamente, receber algum tipo de complementação. A forma como se dá essa complementação vai permitir a subclassificação dos tipos penais, conforme veremos ao longo deste artigo. 

Para além disso, é importante entender do que são compostas as normais penais. De modo geral, elas contém em si dois preceitos

O primeiro, conhecido como preceito primário, contém a descrição, objetiva e precisa, de uma conduta. Ou seja, trata-se da descrição da infração penal em si. 

Já o preceito secundário traz a cominação individualizada da sanção penal aplicável à conduta descrita no preceito primário. Em outras palavras, o preceito secundário abrange a discriminação da pena a ser aplicada. 

Um dos exemplos mais recorrentes para explicar o conceito de norma penal em branco é o da Lei de Drogas (Lei 11.343/06). No corpo desse ordenamento, tem-se a tipificação do seguinte crime:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. 

Ocorre que, em nenhum momento do texto da lei, é descrito o que é considerado “droga”. Assim, embora o princípio secundário (da discriminação da pena) seja atendido, o princípio primário não o foi. 

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Logo, a norma precisará de complementação, motivo pelo qual pode ser classificada como norma penal em branco. 

Entender os preceitos primário e secundário, que compõem as normas,  é fundamental para compreender como se dão as classificações e subclassificações dos tipos penais em branco. E é sobre essas categorizações que falaremos a seguir. 

Tipos de norma penal em branco

A doutrina classifica as normais penais em branco de acordo com o tipo de complementação necessária e o local em que esta é encontrada. 

Podemos adiantar, no entanto, que todas as tipificações desta seção versam sobre o preceito primário da norma. 

Além disso, cabe ressaltar que essas classificações recebem diferentes denominações. Por isso, traremos também os principais sinônimos para cada uma delas. 

Norma penal em branco heterogênea

Norma penal em sentido estrito e norma penal própria são algumas das nomenclaturas utilizadas para designar o que chamamos aqui de norma penal em branco heterogênea. 

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De modo geral, a heterogeneidade desse tipo de norma penal em branco se manifesta na medida em que a complementação do tipo penal é oriunda de um uma fonte que não o mesmo legislador. 

Isto é, a norma penal em branco heterogênea é aquela complementada por uma determinação da Administração pública, ou de outra instância legislativa. 

Dentre as manifestações dessa complementação, podem estar portarias, decretos, atos normativos, resoluções, entre outros tipos de documento. Eles podem ser publicados por órgãos auxiliares, agências reguladoras, secretarias e assim por diante. 

Uma vez que a complementação do preceito primário é feita por uma instância legislativa distinta, a norma penal em branco heterogênea pode deixar dúvidas no que tange a sua legalidade e constitucionalidade. 

Contudo, a jurisprudência estabelecida entende que esse gênero de norma não fere nenhum princípio, uma vez que o legislador deixou claro o tipo base. 

Leia mais sobre os princípios que regem o Direito Penal. 

Norma penal em branco homogênea

A norma penal em branco homogênea é chamada também de norma penal imprópria ou norma penal em sentido lato. Assim como ocorre na forma heterogênea, aqui também é o preceito primário que recebe complementação. 

Neste caso, contudo, a complementação deve ser de mesma natureza jurídica e de mesma fonte legisladora. Ou seja, a norma que complementa uma lei, por exemplo, é também uma lei, promulgada pela mesma instância legislativa. 

Contudo, o local em que a complementação será encontrada, dentro do arcabouço legislativo, permite estabelecer ainda uma subclassificação para as normas penais em branco homogêneas. São dois subtipos possíveis, conforme segue. 

– Norma penal em branco homogênea homovitelina

É considerada homovitelina a norma penal em branco homogênea cuja complementação está localizada no mesmo código de origem da norma. Um exemplo comum é o crime de peculato, tipificado no Código Penal, nos seguintes termos:

Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Como se vê, o Art. 312 do Código Penal estabelece a pena (princípio secundário) para o peculato, mas não especifica quem é considerado “funcionário público”. Esse conceito complementar, no entanto, está disponível no mesmo código, nos seguintes termos: 

Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Portanto, se a complementação e a norma penal em branco estão situadas na mesma lei ou código, ainda que em artigos distintos, tem-se uma norma penal em branco homogênea  homovitelina. 

– Norma penal em branco homogênea heterovitelina

Diferente do que ocorre na tipificação anteriormente apresentada, aqui tem-se que a complementação do princípio primário de uma norma penal em branco homogênea se encontra em um código ou ordenamento distinto. 

Para que a norma seja considerada heterovitelina, é preciso que ela esteja tipificada, por exemplo, no Código Penal, enquanto sua complementação encontra-se em outro dispositivo legislativo, como o Código Civil ou o Código Florestal. 

Na situação hipotética descrita acima, tem-se que a complementação se dá por uma lei distinta daquela que origina a norma, mas ambas compartilham a mesma natureza jurídica e foram originadas a partir da mesma instância legislativa. 

Outras classificações para normas penais em branco

Além de poderem ser categorizadas em homogêneas e heterogêneas, as normais penais em branco recebem ainda outros tipos de classificação, menos usuais. 

É o caso das duas situações que listamos abaixo. 

– Norma penal em branco à avessas, inversa, invertida ou secundariamente remetida

Na maioria das vezes, o complemento à norma penal se dá no preceito primário, mas isso não se aplica a esta categoria. 

Assim sendo, as normas penais em branco invertidas são aquelas que necessitam de complementação no preceito secundário – que diz respeito à sanção penal. 

É norma penal em branco às avessas ou invertida, portanto, é aquela em que o legislador tipifica o crime, mas não individualiza a previsão de pena. 

Um dos exemplos mais comumente citado pelos juristas é a Lei de Genocídio (Lei 2.889/56), que tem por objeto definir e punir esse tipo de crime. Em seu corpo, contudo, esse dispositivo não prevê pena específica. 

Por esse motivo, no caso da Lei da Genocídio, as sanções advém do Código Penal. Logo, a necessidade de complementação do preceito secundário é o que caracteriza a norma penal em branco inversa. 

– Norma penal em branco ao quadrado ou lei duplamente em branco

Neste caso, como o próprio nome indica, a norma penal em branco requer dupla complementação

Tem-se, portanto, que complementar a tipificação presente no preceito primário. E, em seguida, complementar a complementação. 

Um exemplo prático vem do Direito Ambiental. Tem-se, nesta seara, o crime de violação da floresta de preservação permanente, que está tipificado na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98). 

Contudo, nesse ordenamento não se especifica o que é “floresta de preservação permanente”, motivo pelo qual, a norma precisa ser complementada no Código Florestal (Lei 12.651/12). Este equivale ao primeiro complemento. 

Em seguida, ao consultar o Código Florestal, o operador do direito poderá verificar que na definição de áreas de preservação permanentes (APPs), a lei traz que, em algumas circunstâncias, o Chefe do Poder Executivo de cada município poderá instituir procedimento administrativo próprio para definir o que são essas áreas de preservação. 

Tem-se então o segundo complemento, que é justamente o ato administrativo municipal. É por esse motivo, portanto, que essa norma penal é considerada duplamente em branco. 

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Perguntas frequentes sobre norma penal em branco

O que é norma penal em branco?

Norma penal em branco é toda norma que tipifica um crime, sem definir completamente os elementos dessa tipificação, ou trazendo-os de forma genérica. Portanto, em sua gênese, a norma penal em branco é aquela que necessita de complementação.

O que significa norma penal em branco heterogênea?

A norma penal em branco heterogênea – também chamada de norma própria ou norma penal em brano no sentido estrito – é aquela que é complementada por um dispositivo legal que não tem origem na mesma instância legislativa.
Por exemplo, um crime previsto em lei federal que é complementado por uma portaria oriunda de uma agência reguladora é um tipo de norma penal própria ou heterogênea.

O que é norma penal em branco homogênea?

A norma penal em branco homogênea é aquela cuja complementação advém de um dispositivo legal que tem a mesma natureza jurídica e a mesma fonte legisladora. Por exemplo, uma lei federal que é complementada pelo disposto em outra lei federal.

Conclusão

Diante das tipificações apresentadas e dos exemplos expostos, fica claro que as normas penais em branco se fazem presentes na rotina, sobretudo dos advogados que atuam no âmbito penal.

Por isso, ter em mente o que são e como se classificam as normas penais em branco é essencial para a construção de peças processuais – peticionamentos iniciais, contestações, réplicas – mais consistentes. 

Fica evidente, portanto, que desde questões do direito ambiental até o trabalhista, não há como fugir dessas ocorrências. 

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  1. Adorei o texto, conciso e explicativo. A abordagem é bem didática e de fácil compreensão. Me ajudou muito.