PL 508/007: Projeto visa alterar regras da união homoafetiva

13/10/2023
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No começo de outubro de 2023, voltou a tramitar o projeto de lei PL 508/2007 que pretende extinguir o casamento civil homoafetivo e alterar o modelo de união estável. A proposta passou pela comissão de previdência, assistência social, infância, adolescência e família, na câmara dos deputados e ainda deve tramitar em outras instâncias.

O casamento civil e a união estável de casais do mesmo sexo é um direito garantido desde 2011 pelo STF. A decisão enquadra os casais homoafetivos como família, garantindo direitos como o de herança sem que precise de testamento.

Segundo o relatório Cartório em Números, apenas em 2022, foram registrados no Brasil quase 12 mil casamentos homoafetivos. Além disso, estima-se que existam pelo menos 19 milhões de pessoas LGBTQIA+.

Contudo, a PL 508/2007, que entrou em pauta novamente em 2023, gerou uma série de debates públicos sobre a constitucionalidade ou não do casamento ou união estável homoafetiva. Bem como, suscitou questões sobre o conceito de família, frente aos dispositivos legais vigentes, mas também frente à doutrina e jurisprudência. Resumimos os principais fatos sobre o tema neste artigo, confira!

O que diz o PL 508/2007?

A intenção do PL 508/07 é modificar o Código Civil e colocá-la como única alternativa para o matrimônio de pessoas com a mesma identidade de gênero. Isto inclui revogar a decisão de 2011 do STF que permite casamentos civis homoafetivos e proíbe qualquer cartório de negá-lo.

Projeto de Lei nº 580, de 2007, principal, visa alterar Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil), a fim de permitir que pessoas do mesmo sexo possam, exclusivamente para fins patrimoniais, constituir união homoafetiva por meio de contrato. PROJETO DE LEI Nº 580/2007. (Apensados: PL nº 4.914/2009, PL nº 5.167/2009, PL nº 1.865/2011, PL nº 5.120/2013, PL
nº 3.537/2015, PL nº 5.962/2016, PL nº 8.928/2017 e PL nº 4.004/2021)

Um dos argumentos levantados no texto do projeto é que cabe ao poder legislativo essa decisão e não ao supremo tribunal federal. E que a constituição federal no seu artigo 226, § 3º, define que o casamento seria apenas entre homem e mulher. Para os autores do projeto, essa interpretação da carta magna deveria prevalecer.

  Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.     

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Constituição Federal de 1988

A emenda mais recente ao artigo 226 da Constituição Federal que trata do casamento é de 2010, permitindo o divórcio sem que haja prévia separação por no mínimo um ano, como era previsto no código original. A regulação do casamento homoafetivo é posterior a isso e se dá por jurisprudência firmada nas cortes superiores.

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O uso de jurisprudência firmada nas cortes superiores para legalizar temas que estão fora da legislação não é incomum. Um exemplo, no âmbito do Direito do Trabalho, se dá pela determinação de alguns benefícios corporativos não obrigatórios, em complementação à CLT.

Proposições da PL 508

O projeto elenca algumas proposições de como as relações homoafetivas devem ser tratadas na legislação brasileira. Selecionamos trechos que ilustram cada uma delas.

Sendo que numa posição extremada estão os que postulam que tal relação entre pessoas do mesmo sexo deve ser considerada “casamento”, isto é, que devem se equiparar às uniões entre um homem e uma mulher com vista a procriação e, portanto, formação de uma família. PROJETO DE LEI Nº 580/2007. (Apensados: PL nº 4.914/2009, PL nº 5.167/2009, PL nº 1.865/2011, PL nº 5.120/2013, PL
nº 3.537/2015, PL nº 5.962/2016, PL nº 8.928/2017 e PL nº 4.004/2021)

Há um entendimento, no texto do PL 580, de que o casamento deve sempre levar a procriação. Portanto, a união de casais homoafetivos, por não gerar filiação biológica entre os dois membros não se equiparia ao casamento.

A segunda proposição defendida no projeto de lei é de que a homossexualidade é um transtorno psicológico a ser tratado, que a questão perdeu espaço no meio médico devido à militância do movimento LGBTQIAP+. O projeto considera um erro a desclassificação da orientação sexual hetero divergente como doença de ordem mental.

“O ano seguinte foi o ano da grande ofensiva destinada a fazer com que a APA apagasse do DSM a menção à homossexualidade. As apresentações de psiquiatras especializados no tema como Spitzer, Socarides, Bieber ou McDevitt foram engolidas, reduzindo-se seu tempo de exposição a ridículos 15 minutos enquanto os líderes gays e alguns psiquiatras “politicamente corretos” fizeram declarações à imprensa anunciando que “Os médicos decidem que os homossexuais não são anormais”.

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PROJETO DE LEI Nº 580/2007. (Apensados: PL nº 4.914/2009, PL nº 5.167/2009, PL nº 1.865/2011, PL nº 5.120/2013, PL
nº 3.537/2015, PL nº 5.962/2016, PL nº 8.928/2017 e PL nº 4.004/2021)

Por fim, o relator Deputado Pastor Eurico (PL-PE) aponta, outros três motivos que justificariam a aprovação Projeto de Lei, partindo do pressuposto de que a homossexualidade não é proibida no país.

a) Não há perda de direitos: a homossexualidade não é ilegal no Brasil e os homossexuais podem concordar com plena eficácia legal em compartilhar propriedades ou lucros e direitos de herança;
b) as relações homossexuais não proporcionam o ganho social que implica exclusivamente o casamento como origem da família pela sua abertura à vida, própria da complementariedade biológica do masculino com o feminino;
c) Finalmente, as crianças que crescem sob a proteção de um casal homossexual são privadas do valor pedagógico e socializador da complementariedade natural dos sexos no seio da família. PROJETO DE LEI Nº 580/2007. (Apensados: PL nº 4.914/2009, PL nº 5.167/2009, PL nº 1.865/2011, PL nº 5.120/2013, PL
nº 3.537/2015, PL nº 5.962/2016, PL nº 8.928/2017 e PL nº 4.004/2021)- Grifos nossos

Resumo das propostas trazidas no PL 580/2007:

  • Adicionar uma nova categoria de União de Estável para casais homoafetivos por meio de contrato;
  • Proibir o casamento civil homoafetivo;
  • Proibir a União Estável homoafetiva no molde atual.

O que dizem as bases legais vigentes sobre união homoafetiva no Brasil?

Atualmente, a União homoafetiva – seja por União Estável ou casamento civil – é considerada legal pelo STF desde de maio de 2011.

Na data, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)132. Ao fim do julgamento, equiparou as relações entre casais homoafetivos às heterossexuais, nos seguintes termos:

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.277

Reconhece-se, desde então, a união homoafetiva como núcleo familiar. Até esta decisão, a união podia ser reconhecida ou não de acordo com o julgamento individual de cada caso.

Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução 175, proibiu que cartórios se recusassem a realizar casamento homoafetivos em qualquer lugar do país:

Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.

Parecer do STJ

Diante da aprovação da PL 508 em comissão na câmara dos deputados, vale lembrar recente julgado do Supremo Tribunal da Justiça (STJ), a cerca da interpretação do Código Civil:

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. […]

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. […]

4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição – explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF – impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. […]

Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. […] REsp Nº 1.183.378 – RS (2010/0036663-8) Relator: Luis Felipe Salomão. Superior Tribunal de Justiça. DJe 01/02, 2012.

Assim, entende-se que o Código Civil não veta expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda que não os cite. E proibir o casamento homoafetivo afrontaria princípios caros da constituição tais como: igualdade, não discriminação, dignidade da pessoa humana, do pluralismo e do livre planejamento familiar.

Parecer da OAB

A Ordem dos advogados do Brasil a pedido da Aliança Nacional LGBTI+ e da Deputada Federal Erika Hilton (PSOL-SP) emitiu um parecer de análise da PL 580/2007.

O documento na íntegra você confere aqui

Separamos os trechos principais para que você se mantenha informado.

Em defesa dos Direitos das Famílias:

É somente com o casamento civil e a união estável que um casal consegue auferir os benefícios do Direito das Famílias, é equivocado negar que não haveria discriminação jurídica com sua negativa a casais homoafetivos Processo nº: 49.0000.2023.009903-2-CEDSG

Decisão do STF em 2011 já considerou inconstitucional o Art.226 que reconhece homens e mulheres como entidade familiar, sem citar outros arranjos

O principal argumento jurídico na Justificativa do PL 5167/2009 é a literalidade da Constituição, relativamente ao reconhecimento da união estável “entre o homem e a mulher” como entidade familiar (art. 226, §3º) e a afirmação de que os direitos e deveres da sociedade conjugal serão exercidos com igualdade entre o marido e pela mulher (art. 226, §5º). Ocorre que esse argumento já foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal, quando julgou procedentes a ADPF 132 e a ADI 4277, quando reconheceu que a união duradoura, pública e contínua entre pessoas do mesmo sexo constitui família conjugal e união estável constitucionalmente protegida, em “Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva” segundo a parte dispositiva da decisão. Que tem “força de lei”, ante o efeito vinculante e a eficácia erga omnes que a Constituição impõe às decisões de ações de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade Processo nº: 49.0000.2023.009903-2-CEDSG

A constituição não proíbe o casamento homoafetivo e a interpretação deve ser não literal e extensiva

O autor [Paulo Iotti] pontua incisivamente ser lição basilar ensinada no primeiro ano de Direito que o fato de o texto normativo regulamentar um fato (no caso, a união heteroafetiva – entre o homem e a mulher) sem nada dispor sobre outro (no caso, a união homoafetiva – entre pessoas do mesmo sexo) não significa “proibição implícita por interpretação a contrario sensu”, mas lacuna normativa, passível de colmatação por interpretação extensiva ou analogia, por força dos princípios da igualdade e da não-discriminação, que vedam discriminações arbitrárias, como aquela existente quando se negam direitos de família para casais homoafetivos. Processo nº: 49.0000.2023.009903-2-CEDSG

Os casais heterossexuais nada perdem aos homossexuais terem seus direitos garantidos

O Relator, Min. Ayres Britto, pontuou que os hetero afetivos nada perdem quando os homoafetivos ganham, o que prova que não há nada no princípio da proporcionalidade que justifique o não reconhecimento do status jurídico familiar em geral das uniões homoafetivas e seu direito ao casamento civil homoafetivo em especial. Processo nº: 49.0000.2023.009903-2-CEDSG

Reforço da união homoafetiva como entidade familiar a partir da decisão do STF de 2019

O STF teve nova decisão unânime em favor do reconhecimento da união homoafetiva como família em 2019, quando julgou procedente a ADI 5971. Referida ação foi movida contra o “Estatuto da Família” do Distrito Federal, que criou políticas públicas em defesa das famílias existentes naquele ente federativo. Novamente, o STF impôs interpretação conforme a Constituição à lei, para dizer que ela é constitucional desde que interpretada como não-proibindo o reconhecimento e a proteção das famílias homoafetivas, com igualdade de direitos relativamente às famílias heteroafetivas. Processo nº: 49.0000.2023.009903-2-CEDSG

A interpretação da constituição demanda o entendimento de princípios do direito e de decisões do STF, não sendo meramente simplória e literal

Como se vê, os fundamentos pretensamente “constitucionais” do
PL 5167/2009 constituem, na verdade, visão simplória sobre um tema constitucional
complexo, porque desconsideram lições basilares de hermenêutica jurídica e a própria
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição
(CF, art. 102) Processo nº: 49.0000.2023.009903-2-CEDSG

Conclusão: direitos da família

A principal questão em pauta, além do direito ao casamento civil a toda a população, o que proporciona proteção jurídica ao casal, é a desclassificação dos casais homoafetivos enquanto entidade familiar.

O direito da família regula três tipos de relação:

  1. Pessoais: entre cônjuges, pais, filhos e parentes;
  2. Patrimoniais: entre maridos, esposas, companheiros, ascendentes, descendentes, tutor e pupilo;
  3. Assistenciais: filhos perante os pais, tutelado ante o tutor, interdito em relação ao curador e cônjuges entre si.

Sem o casamento, pessoas homoafetivas deixam de fazer parte destas relações perante a lei e não têm seus direitos garantidos.

Em linhas gerais, o direito da família atua a partir de quatro principios:

  1. Princípio do respeito à dignidade da pessoa humana;
  2. Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos;
  3. Princípio da comunhão plena de vida; 
  4. Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar.

Isto implica a regulação de guarda dos filhos, pensão alimentícia etc. Caso houvesse cancelamento dos casamentos homoafetivos já firmados, por exemplo, alguns direitos das crianças e adolescentes filhos de casais do mesmo sexo também seriam colocados em uma situação de possível insegurança jurídica.

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