Com o uso massivo de smartphones, muitas crianças e adolescentes estão expostos precocemente às redes sociais. Uma pesquisa do Cetic.br revela que 93% dos brasileiros de 9 a 17 anos usam a internet, e 83% deles têm perfil próprio nessas plataformas. Esse cenário potencializa o que se chama de adultização infantil, termo trazido para debate recentemente pelo youtuber Felipe Bressanim, conhecido como Felca, e que significa a exposição de menores a comportamentos, responsabilidades ou conteúdos próprios de adultos
Em um vídeo publicado recentemente, Felca expôs perfis que exploram crianças de forma sexualizada nas redes. Isso gerou uma resposta das autoridades e especialistas, que iniciaram um amplo debate sobre o fenômeno e sua regulação, buscando prevenir abusos e proteger a infância online.
Mas o que é adultização infantil?
A adultização infantil ocorre quando crianças são submetidas a experiências ou tarefas típicas de adultos antes da hora. Como destacado pela Agência Brasil, trata-se de “exposição precoce de crianças a comportamentos, responsabilidades e expectativas que deveriam ser reservadas aos adultos”.
Em geral, inclui desde a erotização de menores (como roupas e posturas sensuais) até situações inusitadas (como crianças influenciadoras dando dicas de investimentos ou assumindo responsabilidades profissionais).
Por exemplo, especialistas apontam que influenciadores mirins que dão dicas de criptomoedas já se enquadram nessa definição.
O fenômeno está ligado à busca por engajamento: conteúdos impactantes – muitas vezes envolvendo erotização ou comportamentos de adultos – geram mais visualizações e dinheiro para quem os publica.
Sem moderação adequada, as plataformas amplificam esses riscos: “crianças e adolescentes têm acesso a todo tipo de conteúdo presente nessas plataformas e estão expostas a abusos e exploração”, alerta estudo da Cetic.br.
Além disso, imagens aparentemente inocentes (crianças brincando, nadando ou trocando fralda) podem ser reutilizadas em redes de pedofilia na internet. Por isso, psicólogos e organizações destacam que a adultização pode causar sérios prejuízos ao desenvolvimento infantil, incluindo impacto emocional e psicológico.
Adultização nas redes sociais: mecanismos e exemplos
O ambiente das redes sociais favorece a adultização infantil pelo seu modelo de algoritmos e monetização. Plataformas incentivam influenciadores (e até mesmo familiares) a expor crianças para atrair público.
Na busca por likes e compartilhamentos, famílias e criadores são tentados a colocar menores em cenas chocantes ou sexualizadas, reforçando padrões de beleza inatingíveis desde cedo. Esse modelo de “monetização” cria um convite constante para a exposição indevida: quanto mais provocativo o conteúdo envolvendo crianças, maior o engajamento (e a renda) gerada.
Em seu vídeo, Felca mostrou perfis com milhões de seguidores que exibem crianças com pouca roupa, dançando músicas sensuais ou falando de sexo em programas online.
Esse cenário on-line só reforça a necessidade de olhar crítico para o que crianças consomem e publicam nas redes. Sem regras claras, qualquer acesso não monitorado pode transformar a infância em “tribunal online”, como ressaltou um psicólogo consultado pela Agência Brasil.
Caso Felca e as denúncias de exploração infantil nas redes sociais
O debate sobre adultização infantil ganhou repercussão nacional no começo deste mês de agosto, após o youtuber Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, publicar o vídeo “Adultização”. Nele, o criador expôs situações que, segundo ele, demonstram exploração de crianças e adolescentes nas redes sociais, com forte crítica ao modelo de monetização dessas plataformas.
Entre os casos citados, está o do influenciador paraibano Hytalo Santos, apontado por Felca como suspeito de retirar adolescentes da casa dos pais para viverem com ele, expô-los em contextos supostamente sexualizados e introduzi-los precocemente em ambientes adultos, incluindo consumo de álcool e incentivo a cirurgias estéticas.
Uma jovem, identificada como Kamylinha, teria iniciado nesse círculo aos 12 anos e, aos 17, já teria realizado implante de silicone e participado de conteúdos com roupas sugestivas.
O Ministério Público investiga o caso desde 2024, após denúncia recebida pelo Disque 100, envolvendo danças de conotação sexual com adolescentes. A conta de Hytalo Santos no Instagram foi desativada, embora não haja confirmação oficial de que isso esteja ligado às denúncias.
Felca também relatou a existência de supostas redes de pedofilia que utilizariam o termo “trade” (“troca”, em inglês) em comentários para negociar imagens de menores nas próprias postagens das vítimas. Segundo ele, algoritmos das plataformas facilitariam a circulação desse material ao recomendar conteúdos semelhantes para usuários com interações suspeitas.
O vídeo ainda relembrou outros casos emblemáticos, como o canal Bell para Meninas, no qual uma criança foi supostamente exposta de forma vexatória e humilhante pela própria mãe, e o caso Karolyne Deher, em que uma adolescente teria tido fotos e vídeos íntimos vendidos em canais pagos administrados por sua mãe. Ambos evidenciam como a exploração digital infantil pode ocorrer em diferentes formatos e níveis de gravidade.
Caso gera debate sobre a regulamentação das redes sociais
A repercussão das denúncias apresentadas por Felca impulsionou o tema adultização infantil para o centro dos debates legislativos. Parlamentares e órgãos de proteção à infância passaram a cobrar medidas mais rigorosas para coibir a exploração de menores no ambiente digital.
Entre os projetos já em tramitação, destaca-se o PL 2.628/2022, que propõe regras específicas para a proteção de crianças e adolescentes em aplicativos, jogos e redes sociais. O texto prevê a obrigação de plataformas implementarem controles parentais, limitarem interações entre adultos e menores, retirarem conteúdos inadequados e publicarem relatórios semestrais sobre casos de violência digital. As penalidades podem chegar a multas de até R$ 50 milhões por infração.
Paralelamente, o governo federal enviou nesta quarta-feira (14) para o Congresso um projeto que regula redes sociais. Sobre o projeto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que: “O que é crime na nossa vida normal tem que ser crime na vida digital. Não tem por que ser diferente. Não tem por que as pessoas não respeitarem isso”.
Vamos regulamentar, porque é preciso criar o mínimo de comportamento, o mínimo de procedimento no funcionamento de uma rede digital que fala com crianças e com adultos e que, muitas vezes, ninguém assume a responsabilidade pelo conteúdo”
Afirma o presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva.
Do ponto de vista jurídico, tais iniciativas podem ampliar significativamente a responsabilização das plataformas por conteúdos ilícitos, consolidar a proteção integral de crianças e adolescentes prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e criar restrições à monetização de conteúdo infantil. Além disso, prevê-se o fortalecimento do dever de moderação das empresas de tecnologia, com sanções administrativas e civis para casos de omissão ou descumprimento.
Esses avanços legislativos indicam uma tendência de endurecimento normativo frente à adultização infantil nas redes, exigindo que advogados e operadores do direito acompanhem de perto a evolução das propostas e adaptem suas estratégias de atuação para um cenário de maior regulação digital.
A regulamentação ajuda a garantir que as plataformas vão ser responsabilizadas e vão agir. Elas têm capacidade técnica de moderar esse tipo de conteúdo, seja automaticamente, seja semi-automaticamente. Hoje em dia, como elas não são obrigadas, elas pouco fazem
Afirma o psicólogo e especialista em educação digital no Instituto Alana, Rodrigo Nejm, em entrevista a Agencia Brasil.
Legislação atual e criminalização da adultização infantil
Embora o termo “adultização” não esteja tipificado como crime específico, o ordenamento jurídico brasileiro oferece mecanismos para proteger menores. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/90) garante proteção integral a crianças e adolescentes, reconhecendo sua “condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” e proibindo qualquer exploração ou violação de sua dignidade.
Por exemplo, o art. 241-D do ECA pune com reclusão (1 a 3 anos) quem “alicia, assedia, instiga ou constrange” criança por qualquer meio de comunicação com fim libidinoso.
Já o art. 244-A tipifica como crime a produção ou divulgação de cenas eróticas envolvendo menores. Em outras palavras, boa parte das condutas ligadas à adultização (principalmente sexualização) é tratada como crime de exploração sexual infantil no Brasil.
Além disso, o direito tem avançado em propostas legislativas específicas para o meio digital. Destacam-se, entre outras iniciativas:
- Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) – Base legal fundamental que protege menores. Prevê punições para exploração sexual e pornografia infantil; por exemplo, o art. 241-D (aliciamento de menores) foi recentemente reforçado
- PL 2.857/2019 – Aprovado pela CCJ da Câmara em agosto/2025, aumenta em um terço a pena do crime de aliciamento de menores por internet, apps ou redes sociais. Esse endurecimento surge em resposta às denúncias recentes de exploração infantil online.
- PL 2.628/2022 – Projeto em tramitação, que já foi aprovado no Senado, que estabelece regras de proteção das crianças em aplicativos, jogos e redes sociais. Obriga as plataformas a adotar controles parentais, limitar contatos entre adultos e menores, restringir tempo de uso e retirar conteúdos impróprios.
- “Lei Felca” (PL 3.852/2025) – Proposto em 2025 para aproveitar o debate gerado pelo youtube, institui a “Lei Felca” para combater a adultização infantil. O projeto define como ilícita a monetização de conteúdo envolvendo crianças, criminaliza a sexualização digital de menores e impõe obrigações às plataformas para evitar erotização infantil na internet.
Desafios e perspectivas para a advocacia
Para advogados e gestores jurídicos, o fenômeno da adultização infantil impõe a necessidade de combinar doutrina e legislação em constante evolução. Mesmo que não haja ainda uma lei única sobre “adultização”, o ECA e o Código Penal fornecem ferramentas para enquadrar condutas abusivas (pornografia infantil, assédio, aliciamento etc.).
Além disso, é preciso acompanhar de perto as novas normas que surgem: por exemplo, o PL 2.628/22, em avanço no Congresso, promete definir obrigações claras para plataformas.
Nos tribunais, temas como responsabilização civil das redes sociais já ganham relevância (julgados recentes entendem que as empresas podem ser responsabilizadas por danos causados por conteúdos de usuários).
Em suma, a adultização nas redes reflete desafios legais contemporâneos: exige proteger direitos fundamentais da infância (garantidos pela Constituição e pelo ECA) dentro de ambientes digitais complexos.
Para o meio jurídico, isso significa articular proteção à criança com princípios como liberdade de expressão e inovação tecnológica. A criação de regras claras – seja via leis específicas ou regulação geral das plataformas – tem sido apontada em diversos países como caminho essencial para evitar que crianças se tornem “produtos” nas mãos do algoritmo.
Nesse processo, o papel do advogado inclui não só interpretar normas existentes, mas também participar do debate sobre como equilibrar segurança infantil e liberdade na internet.
Perguntas e respostas sobre adultização infantil
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código Penal, o Marco Civil da Internet e projetos como o PL 2.628/2022 e a chamada “Lei Felca” abordam a proteção de menores contra exploração e exposição indevida nas redes sociais.
As consequências podem incluir responsabilização civil por danos morais e materiais, sanções administrativas e, em casos mais graves, penas criminais por exploração sexual, corrupção de menores ou produção de conteúdo ilegal.
A regulamentação busca estabelecer deveres de moderação, restrições à monetização infantil, mecanismos de controle parental e punições para plataformas que permitam a circulação de conteúdo prejudicial a crianças e adolescentes.
Vários países regulam redes sociais, como Alemanha, França, Austrália, Reino Unido e Índia, impondo regras de moderação e proteção de dados.
Conclusão
A adultização infantil é um fenômeno que ultrapassa a esfera cultural e entra diretamente no campo jurídico, especialmente quando envolve exposição sexualizada, exploração econômica e ausência de proteção adequada nas redes sociais.
Casos como o revelado por Felca mostram que a monetização e a lógica algorítmica das plataformas podem potencializar riscos, exigindo atenção redobrada dos responsáveis legais e das próprias empresas de tecnologia.
O cenário legislativo brasileiro caminha para criar regras mais claras, endurecer penalidades e impor responsabilidades às plataformas. Para advogados e operadores do direito, esse é um campo em expansão, que exigirá atualização constante sobre novas leis, interpretações jurisprudenciais e ferramentas de proteção à infância no ambiente digital.
Proteger a criança e o adolescente no meio online é não apenas um dever legal, mas um compromisso ético com o futuro.
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