Conheça detalhes da fiança prestada por pessoa jurídica

03/12/2020
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27/08/2024
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Se for realizada uma pesquisa popular a respeito das garantias possíveis em um contrato, sem dúvida alguma, a fiança irá ocupar as primeiras posições no resultado.

No entanto, apesar de tamanha popularidade, é bom lembrar que o Direito, na busca de dar respaldo às relações humanas, está em constante evolução e transformação, o que faz com que sempre surjam detalhes a serem estudados em relação aos institutos jurídicos. Afinal, a criatividade humana, sobretudo na formação de negócio jurídico.

Por certo, com a garantia pessoal, nesse caso, a fiança, não seria diferente. Por isso, o tema escolhido para este texto é bastante pontual e trata sobre a possibilidade de uma pessoa jurídica figurar como fiadora de uma obrigação e os pontos de atenção existentes quando isso ocorre.

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Como funciona a fiança?

Em primeiro lugar, importa trazer o conceito legal do contrato acessório de fiança, o qual é encontrado no artigo 818 do Código Civil Brasileiro:

Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

Neste sentido, conforme se extrai do texto da Lei, a fiança caracteriza-se por ser uma garantia prestada por uma pessoa.

Pessoa jurídica pode prestar fiança?

A partir do exposto acima, se faz necessário citar os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa (2017) quanto aos requisitos subjetivos deste contrato:

Aplica-se a regra geral da capacidade na fiança. Em regra, toda pessoa capaz pode prestar fiança. Devemos, no entanto, atentar para a legitimação. Sob determinadas circunstâncias, certas pessoas estão limitadas em sua capacidade de prestar fiança. Os arts. 61 e 68 do Código Comercial proibiam os leiloeiros e corretores de assumirem fiança nos negócios em que atuarem. A pessoa jurídica pode prestar fiança nos termos de seus estatutos e instrumentos reguladores. Os mandatários necessitam de poderes expressos. (grifou-se)

Neste caminho, de acordo com as palavras do doutrinador supramencionado, é plenamente possível que a pessoa jurídica figure como fiadora de uma obrigação principal firmada entre credor e devedor. No entanto, é preciso levar em conta alguns detalhes específicos.

Como funciona a fiança prestada por pessoa jurídica?

Como visto, a fiança prestada por pessoa jurídica, por exemplo, deve obedecer aos exatos termos do contrato social, cujo teor poderá prever, dentre outras disposições, que os sócios não podem prestar fiança, que a prestação da garantia deve ocorrer somente com a participação de todos os sócios, ou ainda, para sócios específicos.

Tamanha é a importância da análise da legitimidade no momento da elaboração do contrato de fiança que, se acaso ela seja prestada por um sócio sem poderes para assumir tal obrigação, a garantia não pode vincular a empresa.

O que diz o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre a fiança prestada por pessoa jurídica?

“APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NULIDADE DE FIANÇA. ASSINATURA POR SÓCIO ADMINISTRADOR EM VIOLAÇÃO AO CONTRATO SOCIAL. ATO QUE NÃO GUARDA RELAÇÃO COM O OBJETO SOCIAL. ART. 1.015 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Em que pese a pessoa jurídica responda pelos atos de seus administradores, nos termos do art. 47 do Código Civil, no caso concreto restou evidenciado que o ato praticado pelo sócio administrador não guardou relação com objeto social da empresa e violou expressa vedação contida no contrato social, não vinculando a sociedade empresária, portanto, em virtude da aplicação da teoria ultra vires, contida no parágrafo único do art. 1.015 do Código Civil. 2. A alteração contratual em que incluída a vedação do uso do nome empresarial assumindo obrigações em favor de terceiros foi assinada e registrada perante a Junta Comercial em momento anterior à assinatura da confissão de dívida e o Banco embargado reconheceu ter em seu cadastro tal ato, afastando-se a aplicação da teoria da aparência e da boa-fé objetiva. 3. Demonstrado que o negócio jurídico não guardava relação com o objeto social da empresa embargante e não restando comprovado que houve proveito em favor da fiadora, merece decreto de nulidade a fiança e a obrigação assumida sem regular representação, com a consequente extinção da execução em relação à embargante, por ilegitimidade passiva. 4. Ônus da sucumbência invertido. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70078735065, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudia Maria Hardt, Julgado em 13/12/2018). (TJ-RS – AC nº 70078735065 RS. Relator: Cláudia Maria Hardt. Décima Segunda Câmara Cível. Data de Julgamento: 13/12/2018) (grifou-se)

Quando a pessoa jurídica deve responder por atos fora do objeto que se propões realizar ?

O entendimento externado acerca da fiança, no julgado citado acima, baseou-se na chamada teoria dos atos ultra vires (além das forças). Segundo a qual, nas palavras de Alfredo de Assis Gonçalves Neto, “a capacidade de obrigar-se da pessoa jurídica só existe enquanto ela atua em busca dos fins para os quais foi constituída. Como consequência – sustenta-se –, a pessoa jurídica não deve responder por atos praticados fora do objeto a que se propõe realizar”. Além disso, levou em consideração também o fato de que não houve comprovação no processo de proveito ou vantagem em favor da empresa fiadora.

Qual a posição da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça?

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO ASSUMIDA PELO PRESIDENTE DA ENTIDADE. AUSÊNCIA DE ASSINATURA CONJUNTA DO VICE-PRESIDENTE. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EM FAVOR DA PESSOA JURÍDICA NÃO QUESTIONADA. AGENTE “FIFA” CREDENCIADO. RELAÇÃO DIRETA COM O OBJETO SOCIAL DA PESSOA JURÍDICA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE ESPORTIVA. VALIDADE. POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83/STJ. OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem mitigado os rigores da teoria da ultra vires, mesmo após a edição do novo Código Civil, dando prevalência à boa-fé de terceiro, mormente nos casos em que a obrigação guarda relação com o objeto social e não se nega a prestação do serviço em benefício da sociedade contratante.” (EDcl no AgRg no AREsp 161.495/RJ. Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 12/02/2014).

O que prevê a lei do inquilinato?

Noutro norte, no que tange a fiança firmada para garantir uma relação locatícia, a Lei do Inquilinato prevê, inclusive, hipóteses de exigência de novo fiador ou de substituição da garantia ofertada por pessoa jurídica nas hipóteses de recuperação judicial, falência ou insolvência, veja-se:

Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos:

– morte do fiador;

II – ausência, interdição, falência ou insolvência do fiador, declaradas judicialmente;

II – ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador, declaradas judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009)

III – alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança de residência sem comunicação ao locador;

IV – exoneração do fiador;

V – prorrogação da locação por prazo indeterminado, sendo a fiança ajustada por prazo certo;

VI – desaparecimento dos bens móveis;

VII – desapropriação ou alienação do imóvel.

VIII – exoneração de garantia constituída por quotas de fundo de investimento; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

IX – liquidação ou encerramento do fundo de investimento de que trata o inciso IV do art. 37 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009) (…).

Por todo exposto, é natural e crível concluir que apesar de ser plenamente possível a prestação de fiança por um pessoa jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, como em toda instrumentalização de negócio jurídico, é necessário ter especial atenção na análise prévia da legitimidade da garantidora a fim de evitar futura alegação de nulidade, frustrando, assim, o intento inicial dos contratantes.

Até a próxima.

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