Nota promissória nos contratos imobiliários e transações comerciais

20/08/2020
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28/09/2022
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7 minutos

Muito utilizada nas transações comerciais, sobretudo, em pequenos comércios, a bem da verdade é que a nota promissórias também faz parte do mercado imobiliário.

Eventualmente, ao analisar um compromisso particular de compra e venda, ela aparece atrelada àquele negócio jurídico. Por isso, o nosso objetivo nesse texto é trazer alguns traços desse título de crédito, e os efeitos da sua vinculação aos contratos.

Pelas palavras de Carla Eugenia Caldas Barros (2014), a nota promissória conceitua-se como:

“uma promessa de pagamento na qual o emitente (promitente ou sacador – devedor principal e obrigado direito) se compromete a pagar certa quantia ao beneficiário do título. Sua emissão decorre de declaração unilateral de vontade. É um título formal, que para tanto deverá ter preenchidos todos os requisitos legais, para valer
como senão deixa o documento de ter seu valor cambial, ao perder esta natureza cambial torna-se um simples documento representativo de dívida, e não um título de crédito.
Surgem apenas duas figuras intervenientes, ao ser sacada uma nota promissória:
sacador (este equipara-se ao aceitante da Letra de Câmbio) e beneficiário. O sacado não existe porque não há uma ordem de pagar e sim uma promessa. É um título abstrato e nele não se discute a causa debendi.”. (grifou-se)

A partir da citação doutrinária mencionada acima, torna-se importante destacar que, sendo preenchidos os requisitos indispensáveis para sua caracterização enquanto título de crédito, a nota promissória é dotada de independência e abstração, ou seja, ela não está vinculada à causa que lhe deu origem, de modo que não necessita desta para que a promessa de pagar exista, e que ela circule.

Todavia, conforme veremos a seguir, é possível que a nota promissória perca a sua autonomia quando, por vontade das partes, é vinculada ao negócio que lhe deu causa.

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Nota promissória pro solvendo

Uma nota promissória emitida com caráter pro solvendo, ou seja, “para pagamento”, tem a sua quitação ligada à relação de origem, o que faz com que perca a sua autonomia. Pois, neste caso, a sua emissão se apresenta como uma garantia de cumprimento daquela obrigação.

Citando, mais uma vez, a doutrina de Carla Eugenia Caldas Barros (Aracaju, 2014):

“(…) deve ser estabelecido que tal vinculação deverá estar expressa na nota promissória, e não apenas no documento que consubstancia o negócio jurídico, pois o que circula é o título. Como não há norma expressa, não há forma única para caracterizar a vinculação, o que se requer é que esteja escrito expressamente no documento”.

Acerca do assunto, extrai-se da jurisprudência:

“APELAÇÕES CÍVEIS – MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇAO DE PROTESTO E AÇAO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULO CUMULADA COM INDENIZAÇAO – NOTAS PROMISSÓRIAS EMITIDAS EM GARANTIA DO CONTRATO – VINCULAÇAO AO PACTO – CLÁUSULA CONTRATUAL PREVENDO O VENCIMENTO DAS CAMBIAIS – COBRANÇA ANTECIPADA – IMPOSSIBILIDADE – PROTESTO INDEVIDO – SENTENÇA CONFIRMADA. Tendo a nota promissória emissão pro solvendo – garantia contratual – restam descaracterizadas a autonomia e a abstração do título de crédito, que fica atrelado aos termos contratados, mormente se estabelecido expressamente no negócio jurídico o prazo de vencimento das respectivas cártulas, não sendo factível a cobrança antecipada da obrigação, tampouco o encaminhamento de títulos à protesto (TJSC. Apelações Cíveis, de Blumenau. Relator: Juiz Robson Luz Varella)”.

Como se vê, a obrigação que passa a estar estampada em uma nota promissória emitida com característica pro solvendo, somente será extinta quando for observado o pagamento da quantia pecuniária.

Nesse sentido, frente ao inadimplemento, ao credor será possível dois comportamentos: um, promover a cobrança do valor consignado no documento cambiário ou, dois, buscar a resolução do contrato por descumprimento da obrigação.

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Nota promissória pro soluto

Diversamente, em se tratando de título de crédito pro soluto, a quitação do preço previsto no negócio jurídico ocorre com a sua emissão e entrega ao credor, mesmo que a promessa de pagamento ainda não tenha vencido. Cabendo ao credor do valor, se acaso não houver o pagamento, adotar o procedimento de execução.

Isso porque, nesse caso, a nota promissória mantém a sua característica própria de título abstrato e autônomo, constituindo uma obrigação singular e original, distanciando-se de uma natureza comprobatória e garantidora da relação causal.

Roberto Barcellos de Magalhães explica de maneira bastante clara a diferença existente entre a emissão pro solvendo e pro soluto:

“Tratando-se de estudar os chamados títulos causais, ou seja, os emitidos com vistas a algum contrato, é muito importante distinguir a hipóteses de sua emissão pro-solvendo, isto é, como garantia do cumprimento de alguma obrigação; do caso em que o mesmo seja entregue pro soluto, ou melhor, com a finalidade de solucionar ou extinguir dívida ou parte dela”. (Da defesa na execução cambiária – Letra de câmbio, nota promissória, cheque e duplicata”. Rio de Janeiro: José Konfino. 1962. p. 112).

Possíveis exceções

Além disso, outra consequência importante a ser observada, tem relação com as possíveis exceções que podem ser apresentadas pelo devedor diante do terceiro de boa-fé, adquirente do crédito representado pela nota promissória.

Como se sabe, via de regra, na hipótese de ser acionado pelo terceiro, o devedor não poderá opor objeções inerentes à relação subjacente entre ele e o credor primitivo, é assim que dispõe o artigo 17 Lei Uniforme de Genebra, veja-se:

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“Art. 17. As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.

Entretanto, a ressalva constante no dispositivo legal tem a ver com o fato de que o terceiro que age imbuído de má-fé está sujeito às exceções baseadas na relação causal, e assim o faz, quando tem conhecimento acerca da relação originária.

Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TÍTULO DE CRÉDITO. NOTA PROMISSÓRIA VINCULADA A CONTRATO DE COMPRA E VENDA. ENDOSSO. CIÊNCIA PELOS ENDOSSATÁRIOS DO VÍNCULO AO CONTRATO MATRIZ. EFEITOS. OPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS PELO DEVEDOR CONTRA OS ENDOSSATÁRIOS. PRESERVAÇÃO DA EXECUTIVIDADE DO TÍTULO.

1. Execução pelos endossatários de nota promissória a eles endossada pelo credor original, vinculada a contrato de promessa de compra e venda, que é o negócio jurídico subjacente. (…)

3. O processo de execução não é inibido pela propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo. Aplicação do disposto no art. 585, §1º, do CPC. Pretensão declaratória de nulidade do título que, ademais, fora julgada improcedente em decisão definitiva no curso da execução.

4. Distinção entre a executividade de título de crédito formalmente emitido com a eventual restrição de sua autonomia e abstração em face do negócio jurídico subjacente (contrato de compra e venda).

5. Oponibilidade, no caso, em face do endossatário/exequente, das exceções pessoais que possua o executado/devedor em relação ao credor originário.

6. Há título executivo mesmo quando vinculada a nota promissória à relação jurídica material subjacente, impondo-se apenas verificar o atendimento aos demais requisitos inscritos no art. 586 do CPC.

7. Caso concreto em que a nota promissória executada se apresenta como título líquido, certo e revela-se exigível. (…)”.

(REsp 1382609/SC. Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Terceira Turma. Julgado em 15/09/2015)

Análises acerca da transação

Assim, seguindo o raciocínio de Carla Eugenia Caldas Barros, no sentido de que é preciso indicar o negócio jurídico primário no corpo da nota promissória emitida em caráter pro solvendo, é bom ter em mente que esta prática pode comprometer a própria circulação do título, visto que o terceiro, ao ingressar com a execução, pode ser surpreendido com exceções que em um primeiro momento seriam oponíveis apenas ao credor original.

Como visto, apesar de ser corriqueiro, é preciso fazer uma análise criteriosa dos objetivos da transação imobiliária antes de vincular o pagamento do preço do negócio a uma nota promissória.

Até a próxima.

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  1. Pode uma empresa emitir uma nota promissória única e boletos bancários referentes ao pagamento desta nota promissória, sem fazer menção desta forma de quitação na nota promissória?