Smart contracts: o que é, como funciona e aspectos legais

28/04/2022
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20/09/2023
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15 minutos

Se você trabalha no âmbito do Direito é muito provável que já tenha redigido, revisado ou analisado um contrato. Mas, e um smart contract? 

Os contratos são um dos instrumentos jurídicos mais antigo do mundo, contudo, com o advento dos smart contracts – ou, contratos inteligentes -, muito do que sabemos como redigir e dar cumprimento a um contrato pode mudar. 

Isso porque os smart contracts são escritos em linguagem de programação e possuem em seu corpo mecanismos que permitem a auto-execução de cláusulas. Mas, como isso funciona na prática? 

Neste artigo, vamos entender o que são smart contracts e traremos exemplos de seu uso prático. Ao final, veremos também como fazer um smart contract válido. 

O que são smart contracts (contratos inteligentes)?

Smart contract é um tipo de contrato digital, que usa tecnologia de ponta para garantir a auto execução das cláusulas, sempre que as condições contratuais previstas são atendidas. 

Chamados também de contratos inteligentes, os smart contracts não são apenas redigidos em formato digital. Mais do que isso, eles usam uma linguagem de programação específica para criar um programa de execução das cláusulas – a linguagem mais comum chama-se Solidity. 

Mas, você pode estar se perguntando, como o smart contract funciona na prática? Para responder essa questão, primeiro, pense em um contrato tradicional – hipoteticamente, um contrato de compra e venda. 

Por meio do contrato tradicional, você estabelece que quando uma determinada coisa acontecer (a transferência da propriedade do bem, por exemplo), outra será dada em troca (a transferência do dinheiro, por exemplo).

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No contrato inteligente (smart contract), a premissa é a mesma. Contudo, as cláusulas são executadas de forma automática. 

Seguindo com o exemplo acima, significa dizer que, quando o programa do smart contract identifica que a transferência da propriedade do bem foi concluída (condição), ele automaticamente libera a transferência de dinheiro (ação).

Assim, o smart contract pode fornecer uma garantia de segurança adicional, não só pela auto execução, mas também porque, uma vez redigido, ele não poderá ser alterado ou fraudado.

– Smart contracts são realmente “contratos inteligentes”?

Por se tratar de uma ferramenta relativamente nova no mundo jurídico, o smart contract ainda motiva uma série de dúvidas. Uma das mais comuns diz respeito à “inteligência” deste instrumento. 

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Afinal, os smart contracts seriam realmente “inteligentes”? A resposta que tem se consolidado para essa pergunta é positiva. Entretanto, para entender isso, é preciso primeiro compreender de que tipo de inteligência estamos falando. 

No nível prático, podemos dizer que quando corretamente codificado, o programa que é base do smart contract tem a capacidade de tomar ações – isto é, executar as cláusulas do contrato. E isso é inteligência de programação. 

Evidentemente, a execução dessas cláusulas pode não ser imediata. Em muitos casos, o smart contract é reativo. Ou seja, o ser humano precisa solicitar que determinada cláusula de ação seja executada. 

Contudo, isso não reduz a “inteligência” do smart contract. Já que a execução automatizada respeita necessariamente as condições estabelecidas no contrato. Ou seja, o programa só executa a ação se as condições previstas estiverem completamente satisfeitas. 

Assim, enquanto no modelo tradicional de contratos temos a necessidade de que seres humanos operacionalizem o que foi determinado cláusulas – o que gera a possibilidade de erros e fraudes – no contrato inteligente, isso é feito de forma automatizada.

– Exemplos de utilização de smart contracts

Os smart contracts podem ser utilizados em quase todos os segmentos de atividades econômicas, para os mais diversos tipos de contratos. 

Imagine, por exemplo, um contrato de exportação de grãos, no setor de agronegócio. Uma das cláusulas desse contrato diz respeito ao nível de umidade máxima dos grãos, que não pode ultrapassar o percentual de 20%. 

Com um smart contract, o equipamento de aferição da umidade (conectado à internet) pode fornecer o dado ao blockchain do contrato. Digamos que a umidade aferida foi de 16%. O programa do smart contract vai, então, considerar a cláusula atendida, liberando o embarque. 

Outro exemplo pode vir do setor de energia e combustível. Em 2018, um estudo  entrevistou gestores de grandes companhias do mercado de gás natural no Brasil. 

A pesquisa apontou que os smart contracts poderiam ser usados para automatizar a medição do gás nos pontos de entrega e recebimento, a emissão de documentos exigidos pelos órgãos de controle e até mesmo para regular a aplicação das taxas de câmbio acordadas em contrato. 

Os contratos de compra e venda de gás natural costumam ser de longa duração, o que mostra o potencial dos smart contracts, mesmo para as relações contratuais mais duradouras.

O que é blockchain?

Mencionamos o termo “blockchain” acima e, talvez, você esteja se perguntando qual é exatamente o seu significado. 

O blockchain é uma espécie de banco de dados descentralizado. Uma boa analogia é pensar num livro razão, que registra entradas, saídas e movimentações de patrimônio em uma empresa. 

O blockchain é como esse livro razão ou livro caixa, porém não é um local único. Ele é formado por computadores do mundo inteiro, em rede. Cada máquina é um nó desse grande banco de dados. 

Por isso, quando alguma informação é registrada no blockchain – como ocorre com os registros em um livro razão – aquela informação é verificada e armazenada por essas dezenas de milhares de nós. 

E, uma vez registrada ali, a informação não poderá ser alterada ou modificada. Isso porque ela é guardada por meio de criptografia. 

Embora o blockchain tenha surgido junto com as criptomoedas, para registrar as transações nesse universo, novos usos são acrescidos ano a ano. Os smart contracts, por exemplo, que são publicados no blockchain, representam um desses acréscimos.

Então, mesmo que você atue na área jurídica – e não no setor de tecnologia -, ainda assim, é fundamental entender o que é o blockchain. Cada vez mais, esse tipo de tecnologia fará parte da rotina jurídica. 

Para seguir aprendendo, confira nosso artigo sobre a natureza jurídica do blockchain

A história dos smart contracts

Nick Szabo é considerado o grande pai do conceito de “contrato inteligente”. Ele é um jurista, e também criptógrafo, norte-americano. 

Szabo falou pela primeira vez em smart contracts no decorrer da década de 1990. Na época, ele escrevia sobre o tema em seu blog pessoal. 

Em 1996, ele publicou um dos primeiros artigos científicos sobre o assunto, sob o título “Smart Contracts: Building Blocks for Digital Markets”. Mas antes disso, em 1994, ele já tinha proposto uma definição para o contrato inteligente em seu site, nos seguintes termos:

“O smart contract é um protocolo de transação computadorizada que executa os termos de um contrato. O objetivo geral de um smart contract é satisfazer condições contratuais comuns (tais como pagamento, garantia, confidencialidade e até mesmo cumprimento), minimizando objeções tanto maliciosas quanto acidentais, e minimizar a necessidade de terceiros intermediários confiáveis” [tradução nossa]

Apesar de a definição de smart contracts datar da década de 1990, sua aplicação prática só se difundiu a partir da criação de plataformas blockchain. A primeira menção ao conceito de blockchain, no mundo acadêmico, se deu em 2008, no artigo “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”. 

Como se vê, a criação de plataformas blockchain está intimamente ligada à ascensão da moeda virtual bitcoin. Por isso, a primeira rede blockchain de código aberto se deu apenas em 2009.

Contudo, para construir o código de um smart contract e publicá-lo na rede blockchain, mais avanços foram necessários. Fundamental para isso foi o surgimento da  primeira plataforma de criação de smart contracts, a Ethereum, o que aconteceu apenas em 2014.

Atualmente, embora a Ethereum siga sendo um dos principais players do mercado, existem já outras marcas oferecendo serviços semelhantes. 

Qual a validade jurídica dos smart contracts?

Questões sobre a natureza e validade jurídica dos smart contracts têm ganhado cada vez mais espaço entre pesquisadores e juristas. De fato, não há previsão específica em lei no Brasil, que regulamente esse tipo de celebração de acordo de vontades. 

Contudo, como pontua a pesquisa conduzida pela Dra. Mariah Brochado Ferreira (UFMG), o Direito em âmbito internacional já publicou uma série de normas sobre o tema. É o caso, por exemplo:

  • da Lei Modelo da Uncitral sobre Comércio Eletrônico: onde se reconhece a validade e eficácia de contratos formados por mensagens eletrônicas  (art. 11)
  • da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), ratificada no Brasil pelo Decreto 8.327/14: onde se reconhece o contrato de compra e venda não-escrito, provado por qualquer meio;
  • da Convenção das Nações Unidas Sobre o Uso de Comunicações Eletrônicas nos Contratos Internacionais: onde se reconhece que a comunicação eletrônica não torna inválida a execução de um contrato (art. 8)

No Brasil, o Art. 425 do Código Civil costuma ser lembrado quando se fala em smart contracts. Tem-se ali que:

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

Portanto, pode-se dizer que os contratos inteligentes são um gênero de contrato atípico e, por isso, não estão imunes às normas que balizam todo tipo de negócio jurídico. Ainda no Código Civil, encontramos quais seriam essas normas:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

E, embora o smart contract, de modo geral, tenha condições de atender aos requisitos de validade, é fato que a ausência de lei específica ainda causa certa insegurança jurídica. 

Neste sentido, desde o começo de 2022, tramita na Câmara um projeto de lei que visa modificar o Código Civil, de modo a trazer, de forma expressa, previsão legal para o uso do modelo de smart contract. 

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Como fazer um smart contract? Passo a passo

O contrato inteligente ou smart contract é redigido em uma linguagem de programação. Por isso, diferente do que fazemos quando explicamos como fazer uma procuração ou uma petição, aqui, não focaremos na linguagem em si – e sim, no processo de elaboração. 

– Negociação

O primeiro passo de um smart contract, assim como ocorre em um contrato tradicional, é a negociação. As partes envolvidas devem discutir as condições e cláusulas, até que se chegue a um acordo de vontades. 

No caso do smart contract, é importante definir exatamente quais condições precisarão ser cumpridas para que uma determinada ação ou transação aconteça. 

– Redigir o contrato em linguagem jurídica

Se você é advogado, está acostumado a redigir contratos, não é mesmo? Embora os smart contracts só funcionem em linguagem de programação, redigi-los em linguagem jurídica pode ajudar a orientar o programador ou desenvolvedor que assumirá essa tarefa. 

Além disso, a minuta em modelo tradicional pode ajudar você, profissional do direito, a verificar e garantir que as condições necessárias à validade de qualquer contrato – expressas, sobretudo no Código Civil – estão sendo cumpridas. 

– Adaptar o contrato à linguagem de programação

Nesta etapa, os profissionais do Direito geralmente vão precisar da ajuda de programadores. São eles que vão criar os blocos de código que formam seu contrato, com base nas condições estabelecidas entre as partes. 

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O programador que assumir essa tarefa precisará contar com equipamentos com capacidade de processamento adequada, além de ter conhecimento em linguagens de programação e frameworks (como Solidity e Java). 

Além de codificar os blocos do seu contrato, o profissional de TI pode lhe ajudar a fazer as configurações necessárias para que a plataforma utilizada para armazenar seu contrato tenha acesso aos bens ou serviços relacionados ao contrato. 

Sem essa conexão, o contrato não será de fato autoexecutável, ficando o algoritmo incapaz de efetivamente bloquear, liberar ou fazer qualquer transação com os bens ou serviços que são objeto do contrato. 

– Criar uma conta e carteira para interagir com as plataformas blockchain

Para registrar seu contrato numa rede blockchain, você precisará ter na sua carteira digital as criptomoedas aceitas pela plataforma blockchain que você escolheu. Fique atento, pois algumas plataformas, como a Etherium, por exemplo, tem uma criptomoeda própria. 

Depois, você deve conectar sua carteira digital à rede descentralizada onde pretende publicar seu contrato. Mais uma vez, se você não tem experiência em transações com criptomoedas, é importante contar com a ajuda de um profissional especializado. 

– Publicar o contrato em uma plataforma blockchain

A última etapa é a publicação do contrato em si, ou seja, o ingresso dos blocos criptografados na plataforma blockchain – e o consequente compartilhamento desses blocos com todos os nós da rede. 

O blockchain e a criptografia são os mecanismos que impedem a alteração ou fraude do seu contrato. Com o smart contract corretamente publicado as cláusulas passam a valer – e podem ser executadas pelo algoritmo. 

Lembre-se que, uma vez publicado, o seu contrato não poderá sofrer alterações. 

Benefícios dos smart contracts para as empresas

Embora seja uma tecnologia recente, o uso dos smart contracts por grandes empresas – e também por pessoas físicas – já permite inferir alguns benefícios desse modelo. 

Listamos, então, algumas das principais vantagens, abaixo

– Economia de recursos

Embora a elaboração e a publicação de um smart contract tenham custos, em grande escala, esse tipo de contrato pode representar uma economia para as empresas. 

É que, com os smart contracts, você reduz os custos com papel, impressão, taxas de cartório, assinatura e armazenamento de documentos em meio físico, entre outros. 

A gestão de documentos também é simplificada e você não precisará investir tanto em equipes para controlar e monitorar todo o volume de contratos. 

– Agilidade

Por se tratar de um processo 100% digital, a elaboração e efetivação de um smart contract costuma ser mais rápida do que a confecção de contratos físicos tradicionais. 

Além disso, como as cláusulas são autoexecutáveis, a necessidade de monitoramento ou ação humana para validar a efetivação do que foi acordado fica reduzida. Inclusive, em muitos contratos – sobretudo de transação financeira – o cumprimento do contrato é imediato. 

– Segurança 

A segurança das informações é, certamente, a vantagem mais lembrada quando mencionamos os smart contracts. 

O principal motivo para isso é o armazenamento criptografado e em rede blockchain, que reduz significativamente a chance de fraude e modificações no contrato, uma vez que ele é publicado.  

O acesso ao conteúdo do contrato por pessoas não autorizadas é outro risco quase que eliminado, por conta da criptografia. E, em tempos de LGPD, essa garantia se torna ainda mais importante. 

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Desafios para a implementação dos smart contracts

O primeiro desafio dos departamentos jurídicos que pretendem trabalhar com smart contracts certamente é a segurança jurídica. Como vimos, não há legislação específica sobre o tema no país, o que dá margem para uma série de interpretações legais. 

Por isso, o jurídico deve estudar amplamente todas as legislações internacionais  e a jurisprudência sobre o tema, a fim de estar preparado, caso haja a contestação da validade jurídica desses documentos digitais.

O segundo aspecto que merece atenção dos gestores é a integração entre os setores jurídico e de tecnologia da empresa. Sem a colaboração dessas duas áreas, é impossível operacionalizar o uso de smart contracts. 

Enfim, fica evidente que esses desafios – e outros mais que possam surgir – exigem grande capacidade de adaptação por parte do jurídico corporativo.

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Perguntas frequentes

O que significa smart contracts?

Smart contract – ou, contrato inteligente – é um tipo de contrato digital que garante a auto-execução das cláusulas, sempre que as condições contratuais previstas são atendidas. O smart contract usa tecnologias de ponta – como blockchain e criptografia – e é escrito em linguagem de programação. 

Qual o objetivo dos smart contracts?

O smart contract serve para firmar um acordo entre duas partes, geralmente com um fim comercial. Além disso, uma das principais funções do smart contract é garantir que as cláusulas sejam cumpridas e que não haja fraude ou alteração no contrato. 

Como fazer um smart contract?

Para fazer um smart contract é preciso ter conhecimento em algumas linguagens de programação e frameworks (como Java e Solidity), além de ter uma carteira digital e criptomoedas para subsidiar a publicação do smart contract em uma plataforma blockchain. 
Por isso, se você não tem conhecimento em programação e em transações com criptomoedas, recomenda-se buscar o apoio de um profissional de TI. 

Conclusão

Então, ficou claro para você como os smart contracts funcionam? Sabemos que essa é uma tecnologia bastante nova, mas a transformação digital já chegou ao Direito e é provável que, nos próximos anos, vejamos a popularização desse tipo de tecnologia. 

Se a sua área de atuação comporta a utilização de smart contracts, é hora de começar a fazer alguns testes. O conhecimento nesse tipo de ferramenta pode fazer com que você saia na frente no seu mercado de trabalho. 

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