STF: análise das competências do Supremo Tribunal Federal

06/07/2020
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27/03/2023
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8 minutos

Passadas já três décadas da promulgação da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou-se, então, presença central e de grande importância no processo político nacional.

Três decisões emblemática corroboram, por exemplo, a afirmação dessa nova posição “proativa” do STF, podemos apresentar:

  • em 2011, a ADPF 132, que reconheceu, dessa forma, a união estável entre pessoas do mesmo sexo;
  • a ADPF 54 de 2012, que afastou, então, a aplicação do Código Penal a casos de interrupção da gravidez de fetos com anencefalia;
  • a ADPF 186, também de 2012, que reconheceu, assim, a constitucionalidade de políticas de ação afirmativa por critérios raciais em vestibulares; e, por fim, mais recentemente
  • com a definição e delimitação das competências federativas para tomada de decisão no confronto da pandemia do Covid-19 no âmbito da ADI 6.341.

Essas quatro decisões tomadas através do controle concentrado de constitucionalidade versam sobre temas que se encontram longe de serem consensos na sociedade brasileira, mas que permanecem até o momento com a última palavra oficial expressa pela Corte brasileira.  

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STF x Poder Legislativo: competência para resolução de demandas não legisladas

Tais temas, no entanto, pelo caráter político de suas matérias, poderiam muito bem terem sido tratados e resolvidas pelo Poder Legislativo ao invés de pelo STF. E talvez, este fosse o lócus mais apropriado para a discussão.

À época (e talvez atualmente ainda), entretanto, nos encontrávamos em um cenário que Oscar Vilhena Vieira (2008), determinou como “Supremocracia”. Ou seja, um ambiente no qual o poder de resolver conflitos políticos e morais sai das esferas majoritárias e passa a se concentrar nas mãos do Supremo.

A centralização crescente nas mãos de uma Corte Suprema ou de um Tribunal Constitucional foi um cenário construído e possibilitado pela Constituição Federal de 1988, ainda que à época de sua promulgação muitos juristas duvidassem que isto pudesse ocorrer, principalmente pelas reticências dos ministros que compunham a Corte nos anos 90 de utilizar os poderes que o próprio texto constitucional os outorgava, em um exercício claro de autocontenção.

Ativismo judicial: competências do Supremo Tribunal Federal

Esse papel central no Estado brasileiro que o Supremo passou a desempenhar gerou, desse modo, outras consequências para além das ideias de ativismo judicial. A quantidade de processos julgados pelo Supremo Tribunal Federal ou mesmo de demandas que chegam à Corte, por exemplo, cresceu expressivamente nos últimos anos.

Isso se deu, porque a Constituição Federal outorgou amplas competências ao STF:

  1. originária;
  2. recursal ordinária; e
  3. recursal extraordinária.

Competência originária do STF

A competência originária, ou seja, que o STF exerce como única instância, foi ampliada com a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade, a ampliação do rol de legitimados para propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a criação do Mandado de Injunção e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, entre outras medidas.

Competência recursal do STF

A competência recursal, todavia, também cresceu. A criação do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais deu ao Supremo Tribunal Federal novas competências recursais, para o reexame de algumas decisões dos novos tribunais, embora aliviado de algumas tarefas – como uniformização da aplicação do distrito federal pelos tribunais estaduais – transferidas para o STJ.

Vale asseverar ainda que a Constituição de 1988, deu status constitucional a um número maior de matérias, que se tornaram passíveis de análise pelo STF, na qualidade de principal responsável pelo controle de constitucionalidade. 

Constitucionalização de direitos

Esse processo constitucionalização de direitos e aumento das atribuições do STF, enfim, fizeram dele um tribunal de jurisdição ordinária. Simultaneamente, uma Corte Constitucional – embora ressalta-se que essa dualidade já existia antes mesmo de 1988 – foi acentuada pela nova Constituição e como consequência o espaço para que o tribunal exercesse uma função política também aumentou. Nesse sentido Rogério Bastos Arantes:

Não há como desconsiderar principalmente a partir da Constituição de 1988, que o Judiciário brasileiro tornou-se fator condicionante fundamental do processo político. Basta uma simples retrospectiva dos principais conflitos entre os poderes do Estado, e destes com a sociedade, nos últimos anos, para constatar que a reorganização constitucional de 1988 colocou o judiciário na difícil posição de árbitro do jogo político entre estes importantes contendores (ARANTES, Judiciário e Política no Brasil, p. 24).

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Atuação proativa do Supremo Tribunal Federal

Dessa forma, essa atuação proativa do Supremo Tribunal Federal deriva de duas variáveis. A primeira já apontamos, então, acima e decorre do que o constituinte fez do STF. Ou seja, da ampliação de rol de atribuições do tribunal. Enquanto isso, a segunda é o que a demanda social e mesmo o comportamento dos atores políticos de recorreram ou requererem uma posição do Tribunal, acabou por colocá-lo nessa posição, aumentando o uso de sua função política.

Embora essas variáveis sejam relevantes não é totalmente suficiente para explicar a centralização e a presença mais forte no cenário político pelo tribunal.

Deve-se considerar ainda o quanto interpretações constitucionais e o comportamento dos Ministros durante as sessões de julgamento, expressos em seus votos, tornaram-se relevantes e decisivas para que se expandisse o poder e expressão política do tribunal (ARGUELHES, 2014). 

Nesse sentido, vale relembrar algo recorrente, então, nos votos do Ministro Celso de Mello. É comum que ele reconheça, dessa maneira, uma função de poder constituinte permanente[1] ao STF. Além disso, é sempre um defensor implacável da democracia e da Corte. Ademais, votos longos com diversos obter dictum expressam por vezes opiniões políticas quanto a fatos recorrentes das discussões nos poderes.

Canais de acesso ao tribunal

Feita, portanto, essa passagem sobre a posição atual do STF no cenário político brasileiro, é necessário esclarecer algumas questões sobre os canais de acesso ao tribunal.

A ampliação do artigo 103 da Constituição de 1988 representou, assim, uma mudança revolucionária no papel do tribunal na vida nacional, teoricamente abrindo inúmeras portas de entrada para demandas sociais e de minorias políticas na antes restrita agenda do STF.

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A ampliação de canais de acesso ao controle abstrato, no entanto, foi sobreposta à manutenção, praticamente na íntegra, das já tradicionais competências recursais e em grande parte, de competências originárias que não tinha necessariamente relação com controle de constitucionalidade.

O resultado, na prática, é um tribunal, dessa forma, com dezenas de portas de acesso diferentes que indivíduos ou instituições podem utilizar para levar uma determinada questão ao conhecimento dos ministros, consequência é um tribunal congestionado de casos e mesmo ocasionalmente uma invasão de competência do poder judiciário no legislativo.

Espécies processuais do Supremo Tribunal Federal

Há no total 52 espécies processuais distintas dentro do STF, sendo estas, dessa maneira:

  1. ação cautelar;
  2. ação cível ordinária;
  3. ação declaratória de constitucionalidade;
  4. ação direta de inconstitucionalidade;
  5. ação direta de inconstitucionalidade por omissão;
  6. ação ordinária;
  7. ação ordinária especial;
  8. ação penal;
  9. ação rescisória;
  10. agravo de instrumento;
  11. apelação cível;
  12. arguição de descumprimento de preceito fundamental;
  13. arguição de impedimento;
  14. arguição de relevância;
  15. arguição de suspeição;
  16. carta rogatória;
  17. comunicação;
  18. conflito de atribuições;
  19. conflito de competência;
  20. conflito de jurisdição;
  21. exceção da verdade;
  22. exceção de incompetência;
  23. exceção de litispendência;
  24. exceção de suspeição;
  25. extradição;
  26. habeas corpus;
  27. habeas data;
  28. inquérito;
  29. intervenção federal;
  30. mandado de injunção;
  31. mandado de segurança;
  32. oposição em ação civil ordinária;
  33. petição;
  34. petição avulsa;
  35. prisão preventiva para extradição;
  36. processo administrativo;
  37. proposta de súmula vinculante;
  38. queixa-crime;
  39. reclamação;
  40. recurso crime;
  41. recurso extraordinário;
  42. recurso ordinário em mandado de segurança;
  43. em habeas corpus;
  44. em habeas data;
  45. em mandado de injunção;
  46. representação;
  47. revisão criminal;
  48. sentença estrangeira;
  49. sentença estrangeira contestada;
  50. suspensão liminar;
  51. suspensão de segurança;
  52. suspensão de tutela antecipada. 

Ressalta-se, enfim, que nem todas essas formas de acesso ao STF tem igual nível importância, do ponto de vista do funcionamento da instituição ou mesmo como ela exerce seu poder. Servem, contudo, para representar como o grande número de canais de acesso pode terminar por causar certos problemas ao Tribunal. 

Fato inquestionável, por fim, é a importância que o STF tem tido para consolidação da Democracia brasileira, e contribuindo para soluções de problemas nacionais, como no caso atual da pandemia do COVID-19.

Referências

  1. ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. O Supremo Individual: Mecanismos de Atuação Direta dos Ministros sobre o Processo Político. Revista Direito, Estado e Sociedade, v. 46, pp. 121–155, 2015.
  2. VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista DireitoGV, v. 4, n. 2, pp. 441– 463, 2008; http://dx.doi.org/10.1590/s1808-24322008000200005.
  3. MENDES, Conrado Hübner. Constitutional Courts and Deliberative Democracy. Oxford: Oxford University Press, 2013; http://dx.doi.org/10.1093/ acprof:oso/9780199670451.001.0001
  4. ________.  Controle de Constitucionalidade e Democracia. São Paulo: Elsevier, 2008.
  5. ________.  Neither Dialogue nor Last Word: Deliberative Separation of Powers III. Legisprudence, v. 5, n. 1, pp. 1–40, 2011; http://dx.doi. org/10.5235/175214611796404840

[1] Ministro Celso de Mello, STF, HC 91.361 de 23/09/2008 – “A interpretação judicial como instrumento de mutação informal da Constituição. […]. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria CR, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.” ADI 3.345 de 25/08/2005 – “No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que ‘A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la.”

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