No dia 18 de Novembro de 2016, o programa “Encontro” apresentado por Fátima Bernardes, trouxe uma enquete, que envolvia uma questão de Direito Médico. Quem deveria ser salvo primeiro em um hospital: um traficante ou um policial? Esta é, na verdade, uma importante pergunta, que envolve não apenas a ética nessa área do Direito, mas também discussões entre Direito, moral e utilitarismo, por exemplo.
Para responder a essa pergunta, ela exibiu, então, trechos de um longa metragem. Nele, três pessoas chegaram ao mesmo tempo em uma unidade de saúde, já com poucos recursos. No entanto, eram elas: uma criança levemente ferida, um policial levemente ferido e um traficante em estado grave. (xanax) Os convidados do programa, imediatamente, escolheram que o atendimento do traficante deveria ser a prioridade.
A apresentadora na ocasião preferiu não se manifestar. Contudo, a enquete ganhou grande repercussão nas redes sociais. Criou-se, desse modo, hashtag – #EuEscolhoSalvaroPolicial, com várias manifestações, inclusive contendo ameaças de policiais.
No dia 22 de novembro, a apresentadora, em resposta, disse que a enquete não se tratava de “escolha pelo tráfico e que o assunto girava em torno de uma questão de ética médica”. Ressaltou, ainda: “Os médicos não perguntam quem é a pessoa (que estão atendendo). Isso faz parte do juramento que fazem. É da profissão”.
Direito Médico e Conselho Federal de Medicina
Diante do caso concreto devemos tecer algumas observações jurídicas envolvendo Direito Médico e responsabilidade civil médica. A Resolução do Conselho Federal de Medicina, nº 2.077/1014 traz o seguinte texto:.
CONSIDERANDO que os pacientes classificados como de maior grau de urgência necessitam frequentemente de assistência equivalente à oferecida em unidade de terapia intensiva e observação médica constante.
E ainda:
Art. 2º Tornar obrigatória a implantação do Acolhimento com Classificação de Risco para atendimento dos pacientes nos Serviços Hospitalares de Urgência e Emergência.
A partir do texto acima mencionado, o paciente ao chegar no ambiente hospitalar deverá ser classificado conforme o risco. No caso antes analisado, portanto, o traficante, sendo o paciente em estado grave, deveria receber atendimento prioritário em face dos outros dois.
Emergência e urgência
No entanto, é necessário, também, analisar o que seria emergência. No Direito Médico, é definida como “um estado patológico que se instala bruscamente em um paciente, causado por acidente ou moléstia e que exige terapêutica médica ou cirúrgica urgente. Que urge, que deve ser feito com rapidez.”
Na Emergência Médica, então, o profissional está exposto a uma situação única e excepcional, onde o agir tem de ser imediato. Dessa forma, pelo Código Penal, pelo Código Civil e, sobretudo, pelo Código da Ética Médica, é vedado ao médico deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, e colocar em risco a vida de pacientes.
Importante, também, conhecer a distinção entre Urgência e Emergência. A Resolução CFM nº 1451/95,que trata das normas de funcionamento de pronto-socorro público ou privado, define:
Artigo 1° – (…) Parágrafo primeiro – “Define-se por URGÊNCIA a ocorrência imprevista de agravo à saúde, com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessite de assistência imediata”;
Parágrafo 2º – “Define-se por EMERGÊNCIA a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato”.
Urgência, dessa forma, não é sinônima de emergência. A primeira implica em uma assistência imediata, diante de um imprevisto de agravo à saúde. Não implica necessariamente, entretanto, risco de vida. Enquanto isso,a emergência trata também de uma agravo à saúde, mas constatado por médico. E implica em risco iminente de vida ou de sofrimento.
Relação médico-paciente
A relação médico/paciente, no que concerne ao Direito Médico, inicia-se quando o paciente entra no hospital e, então, é normalmente encaminhado à triagem. Nesse momento é feita a apuração do grau de emergência. A prioridade, pois, é que sejam atendidos primeiramente os pacientes mais graves e, em seguida, os demais conforme os quadros clínicos.
A emergência é um direito individual de toda pessoa, é o direito à vida. Portanto, independentemente da qualificação pessoal – seja essa de qualquer natureza, profissional, social, econômica, até mesmo, ser ou não ser um “bandido”-, o paciente ali é visto conforme seu quadro. Além disso, nos termos do Código de Ética de Medicina: “Art. 47 – (É vedado ao médico) Discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”.
Enfim, a enquete apresentada gerou uma polêmica onde muitos se esqueceram do real dever do médico e do hospital, qual seja a proteção à vida. Portanto, sem adentrar em celeumas morais, perante a medicina, deve-se ater pura e simplesmente à legalidade e aos conceitos e critérios aprendidos no curso de formação. E sempre deve-se independer da qualificação do paciente. Deverá ser atendido prioritariamente, por fim, aquele se encontrar em situação mais gravosa.