Regulamentação das apostas esportivas no Brasil: o que diz a lei?

07/06/2023
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20/09/2023
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11 minutos

Em maio de 2023, a revelação de que jogadores da série A do Campeonato Brasileiro de Futebol (o Brasileirão masculino) estariam envolvidos em um esquema para fraudar apostas movimentou o mundo do esporte. A revelação de possíveis irregularidades, por meio da Operação Penalidade Máxima, acendeu luz sobre a questão da regulamentação de apostas esportivas no Brasil.

As casas de apostas em ambiente digital se popularizam nos anos recentes. No Brasil, em 2021, havia mais de 450 sites desse tipo ativos, segundo levantamento do jornal El País. O crescimento veio na esteira da Lei 13.756, que em dezembro de 2018, legalizou a prática de apostas esportivas no país.

Entretanto, “legalizar” é diferente de “regulamentar”. E, efetivamente, muitos especialistas sustentam que, passados alguns anos desde a sanção da Lei 13.756, as bases legais desse tipo de jogo ainda são um terreno nebuloso e repleto de insegurança jurídica.

Neste artigo, além de conhecer os principais pontos da legislação de apostas vigente, você ainda verá quais projetos de lei tramitam com o intuito de fazer a regulamentação das apostas esportivas no Brasil. E, claro, verá qual o cenário legal para advogados e departamentos jurídicos que atuam nesse campo. Vamos lá?

Qual a situação da regulamentação das apostas esportivas no Brasil?

O principal dispositivo a dispor sobre as apostas em esportes no direito pátrio é a Lei 13.756/18. Anteriormente, vigia o disposto no Decreto-lei 9.215/1946, por meio do qual licenças e concessões para a prática de apostas foram revogadas e a prática era considerada uma contravenção penal.

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Depois de mais de meio século de proibição, a aprovação da Lei 13.756 representou, portanto, uma grande mudança de paradigma no Brasil e impactou em definitivo o mercado de esportes no Brasil – especialmente, no que diz respeito ao futebol masculino.

Em abril de 2023, um estudo apontou que 51 clubes, das três principais divisões do futebol nacional, eram patrocinados por alguma casa de apostas. Ao todo, 23 casas diferentes destinavam fundos a esse tipo de patrocínio.

O que diz a Lei 13.756/18? Principais pontos

Para entender de que legalização estamos falando, é essencial adentrar no que diz a Lei 13.756/18. Nesse texto legal, as apostas esportivas são chamadas de “apostas de quota fixa”. Pela definição dada na redação da lei:

Art. 29. Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço público exclusivo da União, denominada apostas de quota fixa, cuja exploração comercial ocorrerá em todo o território nacional.

§ 1º A modalidade lotérica de que trata o caput deste artigo consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico.

As apostas esportivas são, portanto, aquelas em que o apostador aplica sua sorte em um prognóstico sobre um resultado ou acontecimento futuro, diretamente relacionado a um evento esportivo que irá acontecer, como uma partida, uma corrida, ou um campeonato.

No momento em que a aposta é realizada, o apostador deve ter acesso a uma estimativa de quanto ele pode ganhar, caso o prognóstico se concretize. Nas casas de apostas virtuais, essa estimativa é conhecida como “odd”.

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O mesmo art. 29, parágrafo 3º, traz ainda uma determinação sobre o prazo de regulamentação do disposto em lei. Conforme segue:

§ 3º O Ministério da Fazenda regulamentará no prazo de até 2 (dois) anos, prorrogável por até igual período, a contar da data de publicação desta Lei, o disposto neste artigo.

Durante a pandemia da Covid-19, o prazo foi estendido em mais dois anos. Entretanto, até meados de 2023, essa determinação ainda não havia sido cumprida.

Apesar, disso, alguns pontos fundamentais relacionados à regulamentação das apostas esportivas no Brasil foram contemplados pela Lei 13.756. Vejamos os principais abaixos.

1. Imposto de renda sobre apostas esportivas

O Art. 31 da Lei 13.756/18 define que os valores obtidos por meio de apostas esportivas na modalidade de quotas-fixas precisam ser declaradas no imposto de renda. Na letra da lei:

Art. 31. Sobre os ganhos obtidos com prêmios decorrentes de apostas na loteria de apostas de quota fixa incidirá imposto de renda na forma prevista no art. 14 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964 , observado para cada ganho o disposto no art. 56 da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009 .

A incidência de imposto de renda, portanto, deve ser retido na fonte, com aliquota de 30%. Embora a regra ainda careça de regulamentação infralegal, a orientação de especialistas em Direito Tributário costuma ser no sentido de que os contribuintes que declaram imposto de renda incluam na declaração todo e qualquer rendimento proveniente de apostas.

2. Ações de comunicação e marketing relacionadas ao universo das apostas

A Lei 13.756 é pouco específica no que diz respeito à exploração da imagem de atletas, clubes, competições e entidades desportivas, motivo pelo qual tem recebido críticas.

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Na prática, há apenas um artigo que trata do tema, e que pouco regulamenta, objetivamente. Ali, lê-se:

Art. 33. As ações de comunicação, publicidade e marketing da loteria de apostas de quota fixa deverão ser pautadas pelas melhores práticas de responsabilidade social corporativa direcionadas à exploração de loterias, conforme regulamento.

Por ora, juristas tem sustentado que é necessário retomar as disposições da Lei Pelé e de orgãos regulamentadores como o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Pelé), a fim de garantir que direitos de imagem de entidades desportivas e direitos personalissímos de imagem dos atletas não sejam violados.

3. Incidência de taxa de fiscalização

Um dos pontos mais polêmicos advindos da legalização das apostas esportivas diz respeito à Taxa de Fiscalização – instrumento instituído no Art. 32 da Lei 13.756/18. Tal taxa, conforme firmado em lei, incidiria sobre o total destinado à premiação distribuída mensalmente.

Para atender tal determinação, a legislação estabelece faixas de premiação, sob as quais incide determinado valor de referente à taxa de fiscalização. Os pagamentos, segundo a letra da lei, devem ocorrrer até o dia 10 de cada mês, e o atraso poderia colocar o contribuinte em situação de dívida ativa com a união.

Os critérios de aplicação e o cálculo da taxa de fiscalização, como previstos atualmente, geram uma série de discussões entre os profissionais especializados em Direito Tributário. Há, inclusive, quem sustente que nos moldes atuais tal cobrança seria inconstitucional.

Projetos de lei: apostas esportivas na mira de novas regulamentações

Espera-se que, ainda em 2023, sejam propostos um decreto regulamentador e uma medida provisória para reduzir a insegurança jurídica sobre a regulamentação das apostas esportivas no Brasil.

Nos primeiros meses deste ano, foram retomadas as discussões sobre tal medida. No Senado, tramitam pelo menos dois Projetos de Lei sobre o tema, os PLs 845/2023 e 600/2023. Vejamos o que cada um deles traz.

PL 845/2023

De autoria dos senadores Jorge Kajuru e Hamilton Mourão, o Projeto de Lei 845/2023 toca em alguns pontos chave da regulamentação das apostas esportivas, sobretudo no que diz respeito às casas de apostas. Entre outros pontos, o PL propõe:

  • a obrigatoriedade de que as casas esportivas tenham ao menos uma filial no Brasil;
  • a exigência de autorização para que as casas funcionem;
  • a incidência de tributação sobre as premiações;
  • a promoção de práticas de jogo responsável.

As casas de aposta, segundo o texto apresentado no Senado, teriam que se enquadrar na condição de operadoras. Isto é “pessoas jurídicas ou consórcios, grupos ou conglomerados de empresas com autorização para explorar loteria de apostas de quota fixa em meio físico e virtual”.

Outro ponto que chama atenção são as condições para obtenção de autorização das operadoras. O PL 845/2023 prevê, por exemplo, que seria necessário pagar o montante de R$ 20 milhões para ser autorizado, por prazo não maior que cinco anos.

Também deve provocar discussões o trecho que veda a concessão de autorização para que clubes de futebol e entidades esportivas operem atividades de aposta por quota fixa. Bem como, a probição do uso de nomes e símbolos de clubes esportivos por operadores autorizados – prática comum atualmente.

Por fim, cabe ressaltar que o PL 845/23 aborda ainda:

  • a competência do Ministério da Fazenda, como órgão fiscalizador e regulador das apostas;
  • as diretrizes de fiscalização e supervisão das operações de aposta por quota fixa;
  • a responsabilidade das operadoras na mitigação de eventuais manipulações de resultado;
  • a publicidade sobre as apostas esportivas, exigindo, por exemplo, que sejam incluídos disclaimers sobre os malefícios do jogo;
  • a implementação de políticas para mitigar os riscos de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo;

Em meados de 2023, o texto do projeto de lei tramitava pelas comissões do Senado.

PL 600/2023

O PL 600/2023 foi apresentado pelo senador Eduardo Girão. O texto também versa sobre a regulação para a oferta de apostas de quota fixa, exigindo a autorização das empresas, a fiscalização e controle da atividade e estabelecendo limites para as ações de publicidade. Porém, o PL vai um passo além, e prevê também uma punição claro as empresas e órgãos envolvidos em fraudes relacionadas às apostas esportivas.

Especificamente, o texto do PL 600/2023 prevê sanções aos envolvidos em fraudes, a partir da modificação do art. 29 da Lei 13.756/18, que passaria a vigorar com o seguinte acréscimo:

A pessoa jurídica que explora a loteria de apostas de quota fixa, condenada em processo judicial com sentença confirmada em segunda instância em crimes relacionados a fraudes em resultados de jogos, que incorreu em práticas de incitação, aliciamento, coação, recrutamento ou outras assemelhadas de atletas, árbitros ou treinadores de quaisquer modalidades esportivas, fica proibida de atuar nesse mercado por 10 (dez) anos, a contar da data da referida sentença, independentemente de outras sanções penais e administrativas cabíveis.

Assim como ocorre com o PL 845, também o PL 600/23 tramitava pelas comissões do Senado em meados de 2023.

As implicações legais da regulamentação: cuidados para o jurídico

Advogados e gestores jurídicos que atuam no meio desportivo precisam estar especialmente atentos ao futuro da regulamentação de apostas esportivas no Brasil. Isso porque as mudanças na legislação tem potencial para impactar nas apenas as casas de apostas, mas também os clubes, entidades desportivas, atletas e canais de comunicação envolvidos em eventos e transmissões esportivas.

Na prática, a regulamentação pode ter impactos:

  • fiscais e tributários;
  • de compliance;
  • criminais, a depender do Projeto de Lei que será aprovado.

Enquanto a regulamentação não avança, há alguns cuidados que os profissionais do Direito atuantes nesse meio podem tomar. Entre eles, listamos:

  • Fazer um mapeamento de possíveis riscos tributários, de propriedade intelectual, de direito de imagem, e possíveis sanções;
  • Estabelecer políticas claras de compliance, atuando de modo preventivo dentro de suas organizações;
  • Prestar consultoria e assessoria jurídica, para promover a adequação das organizações envolvidas à legislação já vigente.

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Perguntas frequentes:

Como vai funcionar a regulamentação das apostas esportivas?

Há dois projetos em discussão nas casas legislativas o PL 845/2023 e o PL 600/2023. As propostas discutidas visam incluir a atividade de aposta por quota fixa na arrecadação de tributos, criam procedimentos e regras para autorização das casas de apostas, e incentivam o combate e a mitigação de fraudes.

O que a Lei diz sobre apostas?

A Lei 13.756/18, conhecida como Lei das Apostas Esportivas, legaliza a prática de apostas por quotas fixas sobre eventos esportivos. Nesse tipo de jogo, o apostador tem desde o momento inicial da aposta, um prognóstico de quanto receberá caso seu evento se concretize.

Quem regulamenta as casas de apostas no Brasil?

Segundo a Lei de Apostas Esportivas (Lei 13.756/19) a atividade é concedida ou autorizada pelo Ministério da Fazenda. A regulamentação das casas de apostas, carece, ainda, de normas legais e infralegais mais específicas.

Conclusão

Como você viu, a regulamentação das apostas esportivas no Brasil é um tema bastante complexa, e que divide opiniões. No nível prático, os advogados que atuam no setor podem tomar algumas ações preventivas, se adequam ao que já há em termos de legislação, e preparando sua operação para as mudanças futuras.

Esperamos que este conteúdo tenha sido útil para você e para sua prática profissional. Até a próxima!

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